quarta-feira, 25 de abril de 2012

Avaliando o Planeta Terra


Os Cidadãos de Boa Vontade
Têm Um Dever Diante  de  Si
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
 
O planeta Terra pode funcionar como um jardim comunitário
 
 
 
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Uma versão inicial do texto a seguir foi
publicada de modo anônimo no boletim
mensal “O Teosofista”, em  Agosto de 2010.
 
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É notável a dificuldade da civilização atual de pensar o conjunto da questão planetária.  Estamos vendo em primeira mão o que ocorre quando o carma coletivo amadurece e o prazo de validade de uma forma de organização está vencido. 
 
Há bem mais que uma limitação cultural. Há uma cegueira organizada, e ela boicota toda capacidade de enxergar. De fato, o pior cego é aquele que não quer ver. Mas isso vai mudar. Já aumentam os sinais de um despertar da consciência planetária.
 
A civilização de hoje,  como grande parte das civilizações anteriores, é baseada na premissa de que a natureza é inimiga do homem.
 
A ideia primordial, ainda que implícita, é de que a natureza deve ser substituída pelo asfalto, pela energia atômica,  pelo desmatamento, pela desertificação, pelas guerras, pela especulação imobiliária, pelo massacre dos animais, e -  claro -  por uma filosofia social darwinista, segundo a qual devem dominar “os mais aptos”. Os mais “aptos” são, deste ponto de vista,  os mais egoístas, os mais gananciosos, os mais astutos, aqueles que são espiritualmente destituídos de alma e de consciência ética.  E, no contexto atual, pode-se mesmo constatar que alguns dos indivíduos “poderosos”  cuja fé está colocada na premissa darwinista têm, literalmente,  a consciência ética e filosófica de um gorila das selvas.  Só lhes falta o respeito instintivo pela vida natural e pela lei do carma que os gorilas autênticos possuem. Os macacos tecnológicos não sabem o que é equilíbrio.
 
Seria agradável se a ignorância espiritual socialmente organizada pudesse ser eliminada com um custo histórico baixo. Não é isso que estamos vendo, no entanto. As notícias sobre exemplos de desorganização climática se espalham e se tornam coisas cada dia mais corriqueiras. Sua importância é ignorada. Grandes catástrofes são tratadas como fato banal, enquanto a novela de televisão, as entrevistas dos “famosos” e as últimas falsas novidades sobre qualquer assunto fútil estão no centro das atenções da mídia dominante.
 
A cultura civilizatória atual ainda não adotou de modo amplo os parâmetros filosóficos que a permitirão compreender e  processar inteligentemente o processo planetário. Há na psicologia coletiva de hoje um medo profundo de alterações climáticas, associadas subconscientemente a velhas imagens de “fim de mundo” fabricadas pela teologia da idade média. O terror supersticioso paralisa a capacidade de preparar-se com ética e com bom senso para uma mudança climática. 
 
Por outro lado, a teosofia ensina que a decadência da base geológica da atual civilização está diretamente ligada à decadência das bases mentais, intelectuais, morais e emocionais da etapa humana que está terminando. A decadência precede, e prepara, a regeneração.
 
O planeta é um único processo multidimensional. Ele tem sete níveis de consciência operando simultaneamente, e todos esses níveis estão vivendo - entre o século 19 e o século 22 - o final de um ciclo e o começo de outro.
 
O receio subconsciente de enfrentar os fatos é, pois, um fator que não pode ser subestimado. Grandes mudanças provocam medo, inclusive quando são geológicas, e o filósofo espanhol Emilio Mira y López escreveu:
 
“Terremotos, incêndios, inundações, raios, avalanchas, são (...) eventos não só capazes de assustar-nos com sua presença, mas também de fazer-nos estremecer ante sua real ou suposta iminência. Não é apenas por pressentir a probabilidade de um dano físico mais ou menos grave que tais cataclismos nos aterrorizam, mas por outros motivos, entre os quais se destacam os de sua ancestralidade, seu imenso poder e sua inevitabilidade. Realmente, desde os tempos mais remotos, esses fenômenos têm causado a morte das mais variadas espécies animais. Por isso, em nosso genoplasma, estão latentes os dispositivos de alarme e fuga ante a simples evocação  de sua imagem ou lembrança.”[1]
 
Isso explica grande parte da dificuldade de uma mudança de atitude diante da questão ambiental.
 
No entanto, é cada dia mais fácil acelerar a ampliação do caminho do meio entre dois extremos igualmente paralisantes.
 
De um lado, temos o apego à rotina consumista, que nega a necessidade de uma mudança na relação da humanidade com o ambiente natural. De outro lado, há o conhecido fatalismo que considera o “fim do mundo” inevitável,  e pensa que só o deus imaginário criado pelos sacerdotes profissionais é capaz de enfrentar o assunto.
 
O caminho do meio, que é o caminho do bom senso, ainda parece estreito e difícil. Mas ele já existe e é claramente indicado pela filosofia e pela teosofia.
 
Ao longo dos milênios, inúmeras civilizações cumpriram suas missões  e foram substituídas, frequentemente através de crises ambientais. A civilização atual não é eterna e está em crise. Mas o final de uma civilização e o começo de outra não são algo súbito. Eles devem ser encaminhados passo a passo e gradativamente.
 
Nem a preguiça nem o pânico são bons conselheiros. O momento atual é de preparação para um despertar. O planeta Terra pode funcionar como um jardim comunitário, e já são grandes as oportunidades para que os cidadãos ajam criativamente. Começa a surgir uma nova consciência ética universal. O renascer não pode ser acelerado pela propaganda, mas sim pela vivência interna da sabedoria universal, pela prática da ajuda mútua, e pelo plantio de bom carma no plano da alma.
 
 
NOTA:
 
[1] “Os Quatro Gigantes da Alma”, Emilio Mira y López, Livraria José Olympio Editora, RJ, 1980, 224 pp., ver p. 33.
 
 
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Para ter acesso a um estudo diário da teosofia original, escreva a lutbr@terra.com.br   e pergunte como é possível acompanhar o trabalho do e-grupo SerAtento.
 
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sábado, 21 de abril de 2012

A Arte de Descobrir o Brasil




O desenvolvimento coletivo parte do descobrimento pessoal avançando em direção ao todo.


“Assim como um indivíduo deve trilhar o caminho do autoconhecimento, cada nação deve avançar para o que há de melhor em seu próprio futuro, aprendendo a trilhar o caminho do auto-descobrimento permanente.” [1]






O Melhor do País Ainda Está por Ser Revelado

  Carlos Cardoso Aveline

 
O Descobrimento do Brasil Prossegue no Século 21

Cada país tem uma lenda ou potencialidade superior. O folclore de um povo revela de um modo ou de outro o que há de melhor em seu futuro. Nesta dimensão semi-mitológica o povo brasileiro é altruísta, solidário, eclético e voltado para a utopia da fraternidade humana.

Desde abril de 1500 o Brasil tem sido um processo vivo de síntese criadora entre culturas diferentes. O primeiro grande sonho de um país brasileiro, socialmente justo e politicamente independente, tem como ponto alto no final do século 18 a atitude corajosa do alferes Tiradentes diante da perseguição e da morte. O gesto visionário de Tiradentes - comemorado a cada 21 de abril - ajuda a estabelecer as Minas Gerais como um coração espiritual do país.  

O Auto-Descobrimento É Iniciado no Século 18.

A história, é claro, não começou em 1500.  Evidências e notícias numerosas indicam que o território do Brasil era conhecido há séculos por diferentes países europeus, e até mesmo pelos chineses.  Mas agora Portugal tinha a intenção de oficializar a “descoberta”, efetivando a tomada ostensiva e permanente do território. 

Em 1500, a Europa descobre oficialmente o Brasil. No final do século 18, com Tiradentes, o Brasil começa a descobrir a si mesmo.    
A esquadra de Pedro Álvares Cabral se aproxima da costa no dia 22 de abril de 1500 e lança âncoras no final da tarde, na região sul da Bahia.  O país, portanto, é  baiano. O Brasil nasce na Bahia, com o sol no signo de Touro. A sua vida madura vai começar mais tarde, nas Minas Gerais, em torno do ciclo do ouro.  

No dia 23 de abril de 1500, pela manhã, os europeus efetivamente colocam o pé na Terra com a intenção de tomar posse permanente dela, e começam a interagir de modo fraterno com os habitantes locais. O signo de Touro exige a concretização e materialização dos processos. O dia 23, o dia do pé na terra e da troca de presentes, pode ser ocultamente mais significativo que 22.

Cabe examinar a dimensão religiosa deste encontro histórico. A espiritualidade brasileira surge da tradição inaugurada por Francisco de Assis. As primeiras missas no Brasil foram celebradas pelo frei franciscano Henrique Soares.  Com uma forte componente panteísta e portanto teosófica, os franciscanos são uma  vertente benigna do cristianismo.  Assim como os teosofistas, os discípulos de Francisco veem o sol, a água, a lua, o fogo, os peixes e os pássaros como seus irmãos.  Há vida em todo o universo, segundo também ensina Helena Blavatsky. No  plano oculto,  aconteceu algo de universalmente fraterno e intercultural, de interdisciplinar e teosófico,  nas primeiras missas ditas no futuro Brasil. Os franciscanos foram os pioneiros. Eles inauguraram o padrão de interação.  Só mais tarde veio a tropa de choque do Vaticano, os jesuítas, uma maioria de padres bem intencionados, colocados a serviço do projeto de dominação teocrática mundial de Roma. 
Novos Descobrimentos nos Séculos 21 e 22

Conhecido como um “país do futuro”, o Brasil faz parte das Américas que segundo a teosofia clássica preparam a humanidade sábia de tempos que virão.  Helena Blavatsky anunciou que no século 21 seria possível abrir caminho direto para esta potencialidade mais elevada. Há, portanto, um Brasil que ainda está por ser localizado.  A “terra sem males” habita o futuro.  As antigas entradas e bandeiras, que expandiram a colônia na direção Oeste, cumpriram sua missão; as novas “entradas e bandeiras” devem descobrir o futuro. O “achamento” do país não terminou em 1500.  O ciclo dos grandes descobrimentos ainda está por chegar ao seu ponto mais alto.

Assim como um indivíduo deve trilhar o caminho do autoconhecimento, cada nação deve avançar para o que há de melhor em seu próprio futuro, aprendendo a trilhar o caminho do auto-descobrimento permanente. 

A arte de descobrir o Brasil é a ciência pela qual aprendemos a construí-lo com base na sua vocação mais nobre.  É correto visualizar o futuro saudável e universalista do país sonhado por Tiradentes, José Bonifácio e Chico Mendes.  Uma síntese harmonizadora entre céu e terra pode chegar antes do final do século 21, segundo escreveu  Helena P. Blavatsky.  Pindorama, o país tupiniquim, ainda contém mistérios por revelar.  A figura de Pedro Álvares, o descobridor oficial, simboliza uma função a ser exercida passo a passo e gradualmente: o Brasil irá descobrir a si mesmo de modo mais pleno nos séculos que virão.  

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[1] A Arte de Descobrir o Brasil – Carlos Cardoso Aveline -http://www.filosofiaesoterica.com/ler.php?id=1424#.T5Km-rNYuZU

quarta-feira, 4 de abril de 2012

A Páscoa Como Renascimento Interior

Um Processo Circular de Renovação da Vida 
 
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
 
ressurreição que a Páscoa cristã comemora anualmente está ao alcance de cada ser humano o tempo todo.
 
O cristianismo velho e triste do dogma, da cruz e da intolerância dará lugar durante o século 21 a uma nova espiritualidade inter-religiosa, filosófica, otimista e voltada para o futuro.
 
A tradição cristã - assim como outras religiões - pode e deve passar por uma morte e um renascimento. A disciplina espiritual é dura e inevitável para quem quiser trilhar o caminho místico. Mas ela não é feita de tristeza ou dogmatismo, e sim de liberdade interior,  responsabilidade própria e contentamento.  
           
A própria base da tradição cristã é pagã, panteísta e ecológica. As principais datas do calendário cristão se apóiam, na verdade, sobre comemorações não-cristãs que celebram o Sol e os ciclos naturais.
           
A Páscoa, por exemplo, é comemorada no equinócio da primavera, no hemisfério norte, e no equinócio do outono, no hemisfério sul.  Nesta época do ano, a noite e o dia têm exatamente a mesma duração. A partir da Páscoa, o equilíbrio entre a luz e a sombra é rompido a favor da luz solar, no hemisfério norte. Por isso, tradicionalmente, a Páscoa é vista como o anúncio de um novo começo e como algo que abre espaço para o ressurgimento da vida em todas as dimensões da natureza.  
           
Até o século 19, ainda era costume em certas regiões da Europa sair para a natureza na madrugada  do dia da Páscoa e assistir ao nascimento do Sol. Havia a convicção de que o astro-rei dançava de alegrianesse dia, logo acima da linha do horizonte, comemorando o novo período anual de predomínio da luz.
           
Nos países do hemisfério sul, onde a celebração da Páscoa marca o equinócio de outono, o  momento anuncia a caminhada em  direção ao inverno. Neste caso, o renascimento da Páscoa não é um processo físico ou externo, mas sim interior e espiritual.  
 
O Natal é outro evento pagão de que o cristianismo apenas se apropriou. O nascimento de Jesus é comemorado exatamente no solstício de inverno do hemisfério norte, o auge da estação fria,  a época do ano em que a noite é mais longa. Daí a neve de algodão nos presépios brasileiros. É a partir do solstício de inverno (24-25 de dezembro) que a luz já não perde mais energia e volta pouco a pouco a recuperar sua intensidade, do ponto de vista dos países situados acima da linha do Equador.  
           
Na Roma pagã, o dia 25 de dezembro era dedicado à festa  do “nascimento do sol invencível”. Foi só em meados do século 4 que a  data foi adotada pelos cristãos para comemorar o nascimento de Jesus, “o sol da justiça”.
           
Assim, a religião cristã é filha e herdeira das antigas tradições  religiosas de comunhão com a natureza e com os astros no céu.  Isso explica por que o texto bíblico Eclesiastes (43: 1-5) celebra o Sol e a Lua deste modo:
           
“Orgulho das alturas,  firmamento de claridade,  assim aparece o céu em seu espetáculo de glória. O Sol proclama ao nascer: ‘Como é admirável a obra do Altíssimo’. Grande é o Senhor  que o fez, e com sua palavra apressa o seu curso. Também a Lua, sempre exata, a mostrar os tempos, é sinal eterno...”
           
Para a filosofia esotérica, a transformação de inteligências cósmicas em figuras antropomórficas e  personalizadas é um processo de produção de metáforas e imagens apenas simbólicas. O cosmo é um grande ecossistema inteligente. Embora Francisco de Assis seja famoso por sua visão universal e  panteísta da natureza, muito antes dele o Eclesiastes já exaltava o relâmpago, a neve, as nuvens, os pássaros, o trovão, os montes, o vento, o deserto, e os encarava todos como aspectos externos do processo divino universal. 
           
A Páscoa simboliza, portanto, o renascimento espiritual de todos os seres como parte do ciclo anual e natural da vida. 
 
“A sabedoria consiste em saber o nosso lugar em cada ciclo vital, e  em saber que tipos de ação são necessários para cada momento”, escreve Richard  Heinberg. [1]  
 
Para quem vive no hemisfério sul, há um clima de renascimento físico no equinócio da primavera, em 23 de setembro, porque nesta época do ano tudo  que é verde passa a ressurgir ao nosso redor.
           
Ao contrário da Páscoa do Norte, a Páscoa outonal do hemisfério sul prepara e anuncia o inverno externo, mas também produz  uma purificação interior. É quando a vida começa a se retirar do plano físico que ela pode florescer melhor no plano espiritual.
 
Antes do renascimento interior, deve haver a morte, a perda, a renúncia, a austeridade, “tapah”, em sânscrito.
 
Quarenta dias antes da Páscoa, no auge das dificuldades e do frio no hemisfério norte, começam a quaresma e o jejum. A palavra “carnaval” vem do latim medieval carnelevarium, que significa “afastar a carne”, abster-se de comer carne.
           
Para alguns, jejum talvez seja uma penitência e um castigo.  Na verdade, comer menos e purificar-se como preparação para um novo ciclo nada tem a ver com castigo ou infelicidade. A prática moderada de jejum é recomendável para a manutenção da saúde. O Jesus do Novo Testamento não foi o único a jejuar. “Todos os grandes mestres da humanidade, dentro e fora do cristianismo, conheciam o mistério dinâmico de dois fatores: o jejum e a oração”, escreveu Huberto Rohden. [2]    E um Mestre dos Himalaias escreveu:
 
“Jejum , meditação, castidade em pensamento, palavra e ação; silêncio durante certos períodos de tempo para permitir que a própria natureza fale a quem se aproxime dela em busca de informação; domínio das paixões e impulsos animais; completa ausência de egoísmo nas intenções, e o uso de certo incenso e certas fumigações com objetivos fisiológicos, têm sido apontados como instrumentos desde a época de Platão e Jâmblico, no Ocidente, e desde os tempos ainda mais remotos de nossos Rishishindus.” [3]
           
O processo de purificação interior que prepara um Renascimento não é necessariamente fácil. Um trecho da Bíblia mostra isso e ilustra a necessidade de coragem. Segundo o Novo Testamento, certo dia, quando já faltava pouco para a Páscoa dos judeus, Jesus foi até Jerusalém.   Chegando ao templo, viu vendedores de bois, ovelhas, pombas e diversos cambistas comodamente sentados e tratando de ganhar dinheiro.  Armado de um chicote, Jesus expulsou-os do templo. (João,  2: 13-22).
           
Talvez a primeira conclusão a tirar do episódio é que a Páscoa não deve ser vista como um processo meramente comercial. Não há nada de errado em comprar e vender. O que se deve evitar é a confusão entre o que é comercial e o que é sagrado. Além disso, a idéia de comércio nesse trecho do Novo Testamento é simbólica. Ela se refere a toda busca de lucro ou vantagem pessoal à custa de outrem. O templo, na verdade, é a própria consciência de cada indivíduo. Os “mercadores” a serem “expulsos” são a cobiça, o medo e ambição.  A verdadeira Páscoa ocorre no mundo interno, e para vivê-la é preciso deixar de lado a avidez por ganhos pessoais, inclusive aqueles que são sutis. A Páscoa real celebra o renascimento interior que vem depois que o eu pessoal toma a dura decisão de deixar de comportar-se como se fosse o centro do universo. Isso ocorre porque ele descobriu, de fato,  a realidade eterna que há além das ilusões pessoais de curto prazo.  
           
Em toda caminhada espiritual há resistências e obstáculos a vencer.  Por isso, no episódio da expulsão do templo, os vendedores discutem com Jesus e o mestre faz um desafio que antecipa o futuro:
           
“Destruam esse templo e o levantarei em três dias”. 
           
O Evangelho acrescenta que Jesus não está falando do templo externo, mas do seu próprio corpo.
           
O corpo físico humano é como um templo que não deve ser desrespeitado porque nele mora um espírito divino, uma alma imortal.  Esse templo pode ser destruído, porque a morte é uma necessidade. Mas ele ressurgirá - porque a cada morte corresponde um renascimento.  A filosofia esotérica concorda com Pitágoras e ensina que a reencarnação é um fato e uma lei.  
           
Nem tudo pode ser dito abertamente, a qualquer momento e para qualquer pessoa.  É preciso ter cuidado com as palavras. Mestre Jesus falava ao povo contando pequenas histórias que possuem vários níveis de significados. Um dia, ele explicou aos seus discípulos mais próximos:
           
“A vocês foi dado o mistério do reino de Deus; aos de fora, porém, tudo é dito em parábolas para que, vendo, não percebam, e, ouvindo, não entendam”. (Marcos, 4: 1-2)
 
O que Jesus mostra nessa passagem é que existe no seu ensinamento um aspecto esotérico (interno) e outro exotérico (externo), “para os de fora”. Uma condição central para ter acesso ao aspecto esotérico do ensinamento é a prática das suas lições na vida diária.
           
“Todo aquele que ouve estas minhas palavras e as põe em prática será comparado a um homem sensato que construiu sua casa  sobre rocha”, disse ele ao povo. “Caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, mas ela não caiu, porque estava alicerçada na rocha” (Mateus, 7: 24-27).
           
Para a filosofia esotérica, as escrituras sagradas das diferentes tradições são coleções de mitos, parábolas e narrativas simbólicas. Funcionam como grandes redes generosamente  atiradas pelospescadores de almas ao mar aberto da humanidade, que só pescam e trazem para os círculos internosaqueles que têm discernimento maduro e tentam continuamente praticar o que aprendem, de modo gradual mas crescente.
           
Tais aprendizes vivem em harmonia com o ensinamento e por isso vão adquirindo “olhos para ver” e “ouvidos para ouvir”.  Aos poucos, a sabedoria espiritual forma uma espécie de templo  na mente  do aprendiz. Esse santuário  interior deve ser protegido das oscilações de curto prazo.
           
Jesus usava alegorias,  e a própria vida de Jesus - tal como narrada nos Evangelhos - é uma parábola. Foi montada com base em ensinamentos e narrativas de religiões e tradições mais antigas que o  cristianismo, inclusive o hinduísmo e o budismo.  [4]
           
O nascimento do Mestre, a traição  que sofreu por parte de  alguém  muito próximo e que o levou à morte, a sua ressurreição, e até a promessa de uma “segunda vinda”, são, todos,  pontos que coincidem com uma lenda egípcia muito mais antiga que os evangelhos cristãos -  a  lenda de Osíris.  E há outros elementos “cristãos” tomados da tradição do Egito, como veremos.
           
O costume de falar por parábolas está presente nas antigas escolas de mistérios. No Ocidente, era uma característica  central do ensinamento de Pitágoras, 500 anos antes da era chamada cristã. O cristianismo romano alimentou-se abertamente do mundo grego. O próprio sacrifício de Sócrates,  que viveu de 470 a 399 antes da era cristã,  já foi comparado à lenda evangélica da morte de Jesus  pelo pensador brasileiro Alceu Amoroso Lima. [5]
           
Helena P. Blavatsky explicou:
 
“Cada atitude do Jesus do Novo Testamento, cada palavra atribuída a ele,  e cada fato relacionado a ele durante os três anos da missão que afirma-se que ele cumpriu, estão baseados no Ciclo da Iniciação, um ciclo fundado na precessão dos equinócios e nos signos do Zodíaco”.[6]   
 
O próprio Ciclo da Iniciação é mencionado na lenda dos evangelhos quando Jesus se refere ao “caminho estreito e difícil que só uns poucos encontram” (Mateus, 7:13-14).
           
Em “Ísis Sem Véu”, H.P.B. escreveu:  
           
“Era a doutrina da Índia antiga que Jesus estava pregando, quando recomendava a completa renúncia ao mundo e às suas futilidades para buscar o reino dos céus,  Nirvana”. [7]
           
Jesus ensinava sobre a ressurreição e a descrevia como algo que estará ao alcance -  algum dia -  de todos aqueles que percorrerem o “caminho estreito”.  Mas o que é, exatamente,  ressurreição?  
 
Há vários níveis de resposta para esta pergunta. Vejamos dois deles. Por um lado, a grande ressurreição constitui um projeto de longo prazo. Ela é a libertação espiritual completa, a iluminação definitiva, alcançada apenas por grandes sábios depois de percorrerem,  como Jesus, “todo o ciclo da iniciação”, um processo que envolve repetidas encarnações.
           
Por outro lado, existe também uma modalidade de ressurreição que está apenas um passo à nossa frente. Podemos vivê-la em pequena escala e no estágio de desenvolvimento em que estamos.  Esse é um detalhe decisivo.  Toda longa caminhada deve começar com um primeiro e pequeno gesto feito exatamente onde o indivíduo está.   
           
O primeiro passo só depende de cada um, e cada passo é sempre o primeiro da extensa caminhada. O longo ciclo das iniciações é vivido em pequena escala no dia-a-dia, porque o microcosmo reflete o macrocosmo. O Sistema solar está presente em cada átomo. O caminho do autoconhecimento encontra o seu resumo fiel  num dia de 24 horas e numa  semana de sete dias. O descanso da noite - e o final da semana -  são como a ressurreição.  
 
A celebração da Páscoa – um costume seguramente pré-judaico e inter-religioso - constitui uma prova viva de que a evolução da alma se dá em comunhão com  o ciclo anual do Sol, e de que coincide com o ciclo das grandes iniciações da filosofia oriental.     
           
Os ovos de Páscoa são herança dos festivais pagãos da primavera do hemisfério norte.  Eles simbolizam o renascimento da vida em toda sua variedade.  Já a presença do coelho nesse “festival de renascimento”  pertence à cultura egípcia. A lebre era símbolo da fertilidade e representava  a periodicidade dos ciclos naturais da vida. A tradição afirmava que o coelho costuma esconder ovos de Páscoa para as crianças procurarem.
           
As crianças estão ligadas à Páscoa e, de fato, elas são símbolos indiscutíveis do recomeço da vida.  Internamente todo ser humano é como uma criança até o final da sua existência, porque há nele algo que está  sempre  renascendo.  Quando o indivíduo passa a ser consciente disso, ele vive  mais diretamente a primavera permanente que se oculta em cada uma das quatro estações do ano. E isso não é tudo.  Ele também vive com mais eficiência o ciclo maior das quatro idades de uma vida completa.   
 
O outono simboliza a maturidade. O inverno é a velhice. A primavera é a infância, e o verão, a juventude. As quatro idades são igualmente importantes. Não basta ser como crianças para ter acesso ao reino dos céus, isto é, à consciência nirvânica. Para alcançar a iluminação e receber a bênção eterna, é preciso viver simultaneamente as quatro estações do ano a cada dia.
 
Deve-se combinar a generosidade e a capacidade de aprender, que caracterizam a primavera, com a força e a coragem do verão, que simboliza a juventude.  A maturidade do outono, assim como a sabedoria e a humilde renúncia que são típicas do inverno, constituem características igualmente importantes para quem quer viver a Páscoa de modo completo.    
 
 
NOTAS:
 
[1] Richard Heinberg em “The Meaning of the Solstices”, artigo na revista teosófica The Quest, inverno de 1993, Wheaton, Illinois, EUA.  
 
[2] “O Poder do Jejum”, coletânea, volume da Ed. Martim Claret, 1995, p. 50.
 
[3] “Cartas dos Mahatmas Para A. P. Sinnett”, Ed. Teosófica, Brasília, 2001, edição em dois volumes, Carta 20, volume I, p. 135.
 
[4] Para ver uma demonstração do caráter lendário dos Evangelhos cristãos,  examine o longo trecho da obra “Ísis Sem Véu” em que  Helena Blavatsky faz um estudo comparado das narrativas sobre as vidas de Krishna, Buddha e Jesus. (“Ísis Sem Véu”, H.P.B., Editora Pensamento, SP, edição em quatro volumes, ver volume IV, pp. 165-170, e também p.179, entre outras.) 
 
[5] Platão, “Apologia de Sócrates”,  prefácio de Alceu Amoroso Lima, Edições de Ouro, 16a. edição.
 
[6] “Reply to the Mistaken Conceptions of the Abbé Roca Concerning My Observations on Christian Esotericism”, texto incluído em “Collected Writings”, Helena P. Blavatsky, edição em 15 volumes.  Ver volume IX, TPH, India, 1962, 488 pp., página 225, nota ao pé de página.
 
[7] “Isis Unveiled”, Helena P. Blavatsky, Theosophy Company, Los Angeles, vol. II, p. 286.
 
 
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