quinta-feira, 21 de junho de 2012

Deixando a Pressa de Lado



A Arte de Usar Corretamente o Tempo e a
Capacidade de Trabalho Que Estão ao Nosso Dispor
 
 
John Garrigues
 
 
 
 
 
 
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O texto a seguir foi publicado inicialmente
de modo anônimo pela revista “Theosophy”,
de Los Angeles, em sua edição de janeiro de 1928,
pp. 106-108. Título original: “The Futility of Haste”.
 
(C. C. A.)
 
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“…. Não nos apressemos por coisa
alguma. A Eternidade está aqui o tempo todo.”
 
(William Q. Judge, no livro “Letters That Have Helped Me”.)
 
 
 
 
Provavelmente ninguém sabe de tantas coisas que devem ser feitas quanto um teosofista. Mas quando o vasto número de atividades é reduzido aos deveres que cabem especificamente a ele, fica bem mais fácil percorrer o caminho com estabilidade, e sem atropelos.
 
O teosofista dedicado deseja conscientemente assumir a responsabilidade pela sua própria evolução com o objetivo de prestar serviço, do modo mais eficaz possível, à humanidade. Ele busca uma meta que na maior parte dos casos será alcançada depois de várias vidas, se tudo der certo; e para a obtenção desta meta o espírito da pressa não só é fútil, mas constitui, claramente, um obstáculo.
 
A pressa é uma coisa de curto prazo. O atleta que corre por longas distâncias estabelece o seu ritmo e o mantêm de modo constante e inalterável. Uma criança, correndo ao lado do atleta por uma breve fração do tempo da jornada, pode passar por ele e em seguida abandonar a corrida. Enquanto a criança fica satisfeita com sua vitória, o atleta prossegue firmemente, imperturbado pelo que parece ser uma derrota aos olhos de quem observa apenas aquele trecho da corrida, sem ver a meta distante.
 
No entanto, o fato de estimular a ação deliberada, que está livre do espírito da pressa, não significa aprovar a preguiça, ou a indulgência.
 
Não há cura melhor, para a ansiedade medíocre ou a sensação de estar trabalhando sob pressão, do que a reflexão sobre as verdades últimas do cosmo.
 
Mas a nossa contemplação da Duração Infinita não deve levar-nos a deixar de lado a importância da ação presente.
 
O passado e o futuro fazem parte do Eterno Agora. Porém, embora a ação presente possa alterar o significado do passado - enquanto os seus resultados alcançam o futuro longínquo - a ação, propriamente dita, só pode acontecer no ponto de encontro entre o passado e o futuro, que chamamos de presente.
 
Cada momento, quando passa do futuro para o passado, deve levar consigo a sua carga devida de atividade deliberada.
 
A ação é indispensável; mas se ela não for rítmica e harmoniosa, não desenvolverá suas possibilidades mais elevadas, capazes de produzir um benefício duradouro.  Para que estas características sejam desenvolvidas, são necessários uma avaliação e um discernimento conscientes do objetivo da atividade, assim como do modo como a atividade se desenvolve.
 
Há um conflito de deveres apenas no plano da aparência.
 
Em quaisquer circunstâncias, nosso dever não pode ser maior do que o limite da nossa capacidade. Do mesmo modo, a cada instante, o dever não inclui coisa alguma além do que é possível realizar naquele momento. A avaliação das exigências colocadas por deveres aparentemente conflitantes, assim como a sua adequação, é algo que só pode ser conseguido à luz do discernimento mais elevado, e esta é uma função do verdadeiro ser humano.
 
O progresso do teosofista depende em grande parte de até que ponto ele reconhece e presta atenção à voz do seu Eu Superior, e para esta atividade a calma é indispensável.
 
Até que estejamos mais adiantados, a comunhão com nossa verdadeira natureza é algo espasmódico e intermitente. Nós, como personalidades, não recebemos o fluxo ininterrupto de inspiração a que, em última instância, aspiramos; mas devemos esforçar-nos por olhar com mais frequência e regularidade para as situações em que estamos desde o ponto de vista da nossa natureza mais elevada, e para encontrar deste modo as soluções dos problemas e a aprovação das ações que pretendemos desenvolver.
 
Este exame do ponto de vista superior elimina o julgamento curto e estreito, e impõe um teste e uma verificação saudáveis, embora eles possam ser incômodos para o temperamento impulsivo.
 
Aquele cuja mente trabalha rapidamente muitas vezes se sente superior a quem pensa de modo calmo e deliberado, mas a rapidez mental tem as suas próprias desvantagens,  e foi mencionada deste modo em uma das Cartas dos Mahatmas:
 
“Todos os pensadores rápidos são difíceis de impressionar - num relance eles partem ‘a toda velocidade’ antes de terem entendido o que desejamos que pensem.” [1]
 
Muita gente considera que a mera inquietação, devida a uma questão de temperamento, significa um meritório interesse pelo trabalho. Estes indivíduos jogam fora sua energia com uma constante movimentação febril, e enganam a si próprios cultivando a sensação de estarem ocupados, mas os seus esforços não têm um propósito valioso, nem durável. Eles são tão escravos da qualidade rajásica quanto os preguiçosos mais radicais são escravos da qualidade tamásica. Aquele cuja ação é harmoniosa, ousátwica, não cai em ações impensadas, mas economiza energia. [2]
 
Ele não se desgasta com sentimentos de medo ou aflição. Ele concentra sua atenção e esforço no dever de cada momento, à medida que cada momento surge. Uma tendência comum é ficar ansioso em relação a um acontecimento futuro qualquer, focar a atenção no próximo “ponto importante” da jornada da vida, e assim tirar a atenção do presente e das suas lições. Mas se a eternidade está aqui o tempo todo, cada momento é intrinsecamente e potencialmente tão importante como qualquer outro. Podemos ter acesso à nossa herança ou patrimônio a qualquer momento que quisermos. E quanto mais completa for a atenção naquilo que estamos fazendo, tanto mais eficiente será a nossa administração do tempo disponível.
 
Outro fato que pesa contra a pressa é que ela torna mais difícil tirar proveito dos indícios e sugestões que o Carma coloca ao nosso alcance. Afirma-se que o sábio não deve comprometer-se antecipadamente com qualquer plano fixo de ação, mas deve estar pronto para adequar sua conduta aos fatos.
 
Um homem que age em alta velocidade tende a ignorar advertências no sentido de que precisa mudar de rumo, e por isso vem a sofrer mais tarde. A natureza tem as suas próprias leis e a sua “polícia rodoviária”. A “armadilha da velocidade” - um problema dos motoristas modernos - tem o seu protótipo na reação cármica que resulta de toda pressa desatenta.
 
Algo que se deve ter presente ao olhar para todas as nossas atividades é o fato de que o teosofista não está fazendo um trabalho por tarefa, mas a teosofia é um trabalho em tempo integral, no qual a qualidade da produção é mais importante do que a mera quantidade.
 
Todo verdadeiro teosofista trabalha na construção das defesas externas do Templo da Verdade, que foi erguido pelos esforços de gerações incontáveis de Adeptos. É uma tarefa elevada. Ela exige do trabalhador cuidado e habilidade ao colocar cada tijolo firmemente no lugar adequado.
 
As tarefas feitas por incompetentes apressados, assim como as realizadas por inimigos que estejam dentro do Movimento, precisam ser anuladas e realizadas de novo.
 
O número de tijolos que cada trabalhador é capaz de colocar depende da sua qualificação diante da lei do carma; mas, se nos libertarmos da ansiedade e da irritação que surgem da pressa, teremos ao nosso alcance a possibilidade de fazer tudo o que somos capazes de fazer - seja pouco ou muito -; e de construir para os séculos que virão.
 
 
NOTAS:
 
[1] “Cartas dos Mahatmas”, Editora Teosófica, Brasília, 2001, volume I, p. 105, Carta 15. (Nota do Tradutor)
 
[2] Para o hinduísmo, as três gunas ou características da vida na natureza são tamas, rajas e satwa, ou inércia, movimento e ritmo; ou, rotina, agitação e equilíbrio; ou preguiça, ambição e sabedoria. (Nota do Tradutor)
 
 
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Leia também o artigo “Um Elogio à Tartaruga”, que pode ser localizado através da Lista de Textos por Ordem Alfabética, em www.FilosofiaEsoterica.com .
 
 
Para ter acesso a um estudo diário da teosofia original, escreva a lutbr@terra.com.br e pergunte como é possível acompanhar o trabalho do e-grupo SerAtento.
 
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sexta-feira, 15 de junho de 2012

Reflexões Sobre a Impermanência


Autor Clássico Examina a Eterna Renovação da Vida
 
 
Matias Aires
 
 
 
Capa da edição de 1941 da obra de Matias Aires, que
consiste de exemplares numerados. A imagem é reproduzida
do exemplar número 1.172, que pertence à  Biblioteca da LUT
no Brasil. A primeira edição do livro apareceu no ano de 1752.
 
 
 
 
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O texto a seguir foi publicado
inicialmente na edição de julho de
2011 do boletim eletrônico “O Teosofista”.
 
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Nota Editorial:
 
 
Matias Aires (1705-1763) foi um dos grandes humanistas luso-brasileiros do século 18. Também é considerado o primeiro filósofo brasileiro. Nascido em São Paulo, ele viveu no Brasil até os onze anos de idade, quando foi para Portugal. Em Paris, estudou com um orientalista. Paracelso estava entre os autores que despertaram seu interesse. Estudou a filosofia estóica, e foi amigo de Antônio José da Silva, “o Judeu”, assassinado pela Inquisição católica. Foi influenciado pelos jansenistas e por La Rochefoucauld. 
 
Seu livro “Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens[1], um comentário a Eclesiastes, 1, foi publicado em 1752 e  tem correlações com diferentes tradições de pensamento. Esta obra imortal pode ser vista como um estudo sobre o Vazio budista e o conceito oriental de Maya, Ilusão.  É correto interpretá-la como um comentário ao famoso fragmento de Heráclito sobre a Impermanência: “ninguém pode banhar-se duas vezes no mesmo rio” -  porque tanto o rio como aquele que se banha nele mudam a  todo momento.  Por outro lado, a obra de Matias Aires é sem dúvida um exame rigoroso da primeira das Quatro Nobres Verdades do senhor Buddha, segundo a qual “Dukkha” - dor, ou aflição -, é inerente à vida. Entre os pensadores do século 21, o ponto de vista tradicional adotado por Matias Aires ressurge no conceito de “Vida Líquida”, de Zygmunt Bauman. [2]
 
Ao fazer a presente transcrição, mudamos em algumas frases a pontuação e substituímos algumas palavras caídas em desuso por sinônimos que são usados hoje. Ao final de cada parágrafo, assinalamos o número da página.  
 
(Carlos Cardoso Aveline) 
 
 
Reflexões Sobre a Impermanência
 
 
Matias Aires
 
 
* Em nada podemos estar firmes, pois vivemos no meio de mil revoluções diversas: as idades, e a fortuna continuamente combatem a nossa constância. Tudo consiste em representação que começa, não para existir, mas para acabar; menos para ser, que para ter sido.  Vimos ao mundo a mostrar-nos, a fazer parte da diversidade dele; parece que as coisas nos vão fugindo, até que nós vimos a desaparecer também. Somos formados de inclinações opostas entre si, e temos em nós uma propensão oculta que, sob a aparência de buscar os objetos, só procura neles a mudança. A inconstância nos serve de alívio, e nos desoprime, porque a firmeza é como um peso que não podemos suportar sempre, por mais que seja leve: e com efeito como podem as nossas ideias serem fixas, e sempre as mesmas, se nós sempre vamos sendo outros? Tudo nos é dado por um certo tempo; em breves dias, e em breves horas se desvanece a razão da novidade,  que nos fazia apetecer; fica invisível aquele agrado, que nos tinha induzido para desejar.  (p.101)
 
* Não temos liberdade para deixar de amar a formosura do mundo, e das suas partes; não temos livre o arbítrio para resistir ao encanto que a natureza esconde nas suas produções. A variedade das cores, o movimento dos animais, o canto das aves, o elevado dos montes, o ameno dos vales, a verdura dos campos, a suavidade das flores, e o cristalino das águas, tudo atrai a nossa admiração, e tudo nos infunde amor.   A fábrica do universo é como um retrato da Onipotência; a grandeza do efeito indica a majestade da causa; por isso o amor, ou o louvor da obra, cede em honra do artífice. (pp. 122-123)
 
* A primeira coisa que a natureza nos ensina é amar; e assim o primeiro afeto que sabemos é aquele mesmo por onde a nossa existência começa a ter princípio.  Novos no mundo, porém não no amor, esse se manifesta em nós logo no berço; ali mostramos para alguns objetos desagrado, e inclinação para outros; a uns buscamos com riso, e de outros fugimos com medo; uns nos servem de espanto, outros de divertimento; choramos por alcançar uns, e também choramos por evitar outros; como se o ódio e o amor naquela idade não tivessem outro modo de explicar-se, nem soubessem mais idioma que o das lágrimas. Também não é novo o chorar-se de gosto, do mesmo modo como se chora de pena. (p. 124)
 
* Vemos confusamente as aparências de que o mundo se compõe: os nossos discursos raramente se encontram com a verdade, com a dúvida sempre; de modo que a ciência humana toda consiste em dúvidas. Ainda dos primeiros princípios visíveis, e materiais, só conhecemos a existência, a natureza não; porque a contextura do universo é em si [tão] unida, e regular em forma, que na ordem das suas partes não se podem conhecer umas, sem se conhecerem todas; por isso todas se ignoram, porque nenhuma se conhece. Só a vaidade costuma decidir sem embaraço, porque não chega a imaginar-se capaz de erro.  Os homens mais obstinados são os mais vaidosos, e sempre a porfia vem na proporção da vaidade. (pp. 56-59)
 
* A nossa tristeza nos faz parecer tudo o que vemos triste; a nossa alegria tudo nos mostra alegre; e o nosso contentamento tudo nos mostra com agrado.  Os objetos influem menos em nós, do que nós influímos em nós mesmos.  Vemos como de fora as aparências de que o mundo se compõe, por isso não conhecemos o seu verdadeiro ser, nem gozamos delas no estado em que as achamos, mas sim no estado em que elas nos acham. A delícia dos olhos, e do gosto, depende mais da nossa disposição que da sua eficácia; o mesmo que ontem nos atraiu, hoje nos aborrece; ontem porque estava sem perturbação o nosso ânimo, hoje porque está com desassossego;  e tudo porque não somos, hoje,o que ontem fomos.  O mesmo que hoje nos agrada, amanhã nos desgosta, e os objetos, por serem os mesmos, não causam sempre em nós as mesmas impressões. (pp. 112-115)
 
* Não somos firmes no amor, porque em nada podemos ser constantes. Continuamente nos vai mudando o tempo. Uma hora a mais é mais uma mudança em nós. A cada passo que damos no decurso da vida, vamos nascendo de novo, porque a cada passo vamos deixando o que fomos, e começamos a ser outros. Cada dia nascemos, porque cada dia mudamos, e quanto mais nascemos deste modo, tanto mais nos fica perto o fim que nos espera. A inconstância, que é um ato da alma, ou da vontade, não se faz sem movimento; a natureza só se conserva e dura porque muda e se move. O mundo teve o seu princípio no primeiro impulso que lhe deu o supremo Artífice; a própria luz, que é uma bela imagem da Onipotência, toda se compõe de uma matéria trêmula, inconstante, e vária. Tudo vive enfim do movimento. A falta de movimento é o mesmo que falta de vida, e de existência; assim a firmeza é como um atributo essencial da morte.  (p.126)
 
* É próprio da vaidade o [ato de] dar valor a muitas coisas que não o têm, e quase tudo o que a vaidade estima é vão. Que coisa pode haver que tenha em si menos substância do que certas felicidades que,  ponderada a melhor parte delas, consiste, ou em palavras, ou em gestos? A denominação de grande, de maior, e de excelente, e as submissões, que indicam o respeito, fazem uma parte essencial das glórias deste mundo. A primeira não consiste mais do que em palavras; a segunda toda se compõe de gestos. Que importa à felicidade do homem que os outros, quando lhe falam, articulem mais um som que outro, e que nas reverências que a lisonja introduziu se dobrem mais, ou menos? A vaidade nos faz crer [que somos] felizes à proporção que ouvimos esta, ou aquela voz, e que vemos este, ou aquele culto; a vida civil se reduz a um cerimonial composto de genuflexões, e de palavras. (pp. 63-64)
 
* No desprezo da vida, é onde a vaidade se mostra altiva e arrogante. Os clarins que incitam ao combate não são vozes que a natureza entenda, a vaidade sim; aquela sempre vai com um passo vacilante e trêmulo; esta conduz o peito ardente e furioso. Por mais que se encontrem precipícios, e que os olhos só vejam fogo e sangue, nem por isso desmaia o coração que a vaidade anima. Aquele a quem o escudo da fortuna cobre, e quem marcha resoluto, já pensa que está vendo os faustos do triunfo. Aquele que prostrado já fica agonizando, parece-lhe que expira nos braços da vitória, ou nos da fama. Que felicidade de morrer! A vaidade tira da morte o semblante pálido e horroroso, e só a deixa ornada de palmas e troféus. (pp. 80-81)
 
* Os retiros e as solidões nem sempre são efeitos do desengano. Na maior parte das vezes são delírios de um sentimento vão, ou furores em que brota a vaidade. Então nos move o fim oculto de querermos que a demonstração da dor nos faça recomendáveis. Fazemos vaidade de tudo quanto é grande: o próprio sofrimento, quando é excessivo, nos lisonjeia; porque nos promete a admiração do mundo. (p. 45)
 
* De todas as paixões, a que mais se esconde é a vaidade; e se esconde de tal forma que a si mesma se oculta e ignora. Ainda as ações mais piedosas nascem muitas vezes de uma vaidade mística, que quem a tem não a conhece, nem distingue: a satisfação própria que a alma recebe é como um espelho em que nos vemos superiores aos outros homens pelo bem que realizamos, e nisso consiste a vaidade de fazer o bem. (p. 34)
 
* Travam os homens entre si uma contínua guerra de vaidade; e conhecendo todos a vaidade alheia, nenhum conhece a sua.  A vaidade é um instrumento que tira dos nossos olhos os defeitos próprios, e faz com que apenas os vejamos em uma distância imensa, ao mesmo tempo que expõe à nossa vista os defeitos dos outros ainda mais perto, e maiores do que são. A nossa vaidade é o que nos faz ser insuportável a vaidade dos outros;  por isso a quem não tivesse vaidade não lhe importaria nunca que os outros a tivessem. (p. 36)
 
* A vaidade satisfeita, ou ofendida, é a que nos faz buscar a solidão e o retiro, como temerosos de perder a tristeza em que achamos uma felicidade de gênero diverso. Há muitos males em que a vaidade parece [que] se deleita; e ainda sem vaidade a alegria muitas vezes nos soçobra. Não só o excesso, mas ainda a mediocridade dela; porque nunca a gozamos sem alguma perturbação. Um receio insensível de a perdermos basta para oprimir-nos, e por mais que o contentamento nos extasie, nunca nos deixa em um estado de não sentir. A vaidade satisfeita  não nos entrega à alegria sem primeiro a temperar, com  a mesma equidade com que nunca nos entrega de todo à tristeza. A união do gosto com o pesar não é incompatível, por mais infinita que nos pareça a distância de um a outro extremo. Também a vaidade e a humildade muitas vezes se encontram, se unem e se conservam. (pp. 106-107)
 
* Quantas dores há, que se formam do gosto, e quantos gostos, que resultam da dor! Essa infinita variedade dos objetos tem a mesma causa por origem.  As diferentes produções que vemos, todas se compõem dos mesmos princípios, e se formam com os mesmos instrumentos. Algumas coisas degeneram à proporção que se afastam do seu primeiro ser; outras se dignificam, e quase todas vão mudando de forma à medida que vão ficando distantes de si mesmas. As águas de uma fonte a cada passo mudam; porque apenas deixam a fonte ou rocha de onde nascem, quando em uma parte ficam sendo limo, em outra flor, e em outra diamante. Que coisa é a natureza, se não uma perpétua e singular metamorfose? (pp. 37-38)
 
 
NOTAS:
 
[1] “Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens”, Matias Aires, Livraria Martins, São Paulo, 1942, 234 pp., introdução de Alceu Amoroso Lima. Uma segunda edição da obra foi feita pela mesma editora, em 1952. Sobre a vida de Matias Aires, veja-se a obra “Dois Paulistas Insignes”, de Ernesto Ennes, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1944, 488 pp.  O nome completo desse pensador é Matias Aires Ramos da Silva de Eça, e ele nasceu a 27 de março de 1705. (CCA)
 
[2] Veja-se “Vida Líquida”, de Zygmunt Bauman, Ed. Zahar, RJ, 210 pp., copyright 2005,  ou “Tempos Líquidos”, do mesmo autor,  Ed. Zahar, RJ, 2007, 120 pp.  Uma limitação de Bauman - que não tira o valor de suas obras - consiste em supor que os “tempos líquidos” são recentes. No tempo recente, a liquidez apenas se acentua. A vida sempre foi fluída. (CCA)
 
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quinta-feira, 7 de junho de 2012

A Educação do Autoconhecimento



O Saber Mais Útil é Aquele Que
Ensina a Viver de Modo Correto

Joaquim Soares

 
A vida é sempre pródiga em oferecer oportunidades para aquele que se dispõe a aprender. Inesgotável é o aprendizado de quem vê os outros como seus instrutores.

Portanto, importa ponderar sobre o que se quer aprender, afinal.

O mundo está cheio de conhecimentos sobre um número quase infindável de coisas; sobre mil e um pormenores e especificidades.

Os meios de informação transbordam de conhecimentos sobre quase tudo e, às vezes, sobre quase nada. Nossas escolas e universidades “enchem” a cabeça das crianças e dos jovens com conhecimentos que, segundo dizem ou crêem, irão torná-los cidadãos preparados para a vida.

E para que tipo de vida são os seres humanos preparados pela educação moderna?
O diagnóstico feito há mais de um século por Helena P. Blavatsky descreve com exatidão o estado da educação atual.

Escreveu ela:

“Qual é o objetivo real da educação moderna? Cultivar e desenvolver a mente na direção correta? Ensinar os deserdados e desamparados a suportar com coragem o fardo da vida (destinado a eles pelo carma)? Fortalecer a vontade deles, inculcar-lhes o amor pelo próximo e o sentimento de interdependência mútua e de fraternidade? Formar e treinar dessa forma o seu caráter para a vida prática? Nem um pouco disto! E no entanto esses são os objetivos inegáveis de toda a verdadeira educação. Ninguém o nega; todos os educadores o admitem e fazem muito alarde sobre o assunto. Mas qual é o resultado prático da sua ação? Todos os jovens e crianças, ou ainda, toda a geração mais jovem de professores responderá: ‘O objetivo da educação moderna é passar nos exames’. Não se trata de um sistema para desenvolver a competição justa, mas para gerar e alimentar o ciúme, a inveja e quase o ódio entre os jovens, treinando-os assim para uma vida de egoísmo feroz e de luta por honras e lucros, ao invés de sentimentos fraternos.” [1]

De que vale a um marinheiro saber todos os detalhes sobre os materiais que compõem a sua embarcação, se não sabe qual a sua própria origem como ser humano, o que faz no meio do grande oceano, qual o seu destino final, nem muito menos sabe como interpretar e aproveitar as condições naturais que o rodeiam?

Não é o acumular do conhecimento das incontáveis faces que compõem o mundo ilusório das formas, que poderá conduzir o homem a compreender o porquê da vida e assim alcançar a  felicidade.

Temos uma civilização aparentemente cheia de conhecimento, mas que, ao mesmo tempo, demonstra uma ignorância ou cegueira sobre o rumo a seguir.

A Teosofia está no mundo exatamente para trazer uma visão ampla sobre o destino da humanidade. Escreveu Robert Crosbie, o principal fundador da Loja Unida de Teosofistas:

“Onde iremos encontrar o verdadeiro alicerce para uma civilização renovada, que todos os homens e mulheres possam ver e na qual possam viver? Não é de mais filosofias, novas religiões ou panacéias políticas que precisamos, mas de Conhecimento, e de uma visão que vá além dos altos e baixos de uma curta vida física. O conhecimento que supera todas as formas inventadas de religião é o conhecimento da natureza do próprio homem, um conhecimento obtido por ele mesmo e dentro de si mesmo.” [2]

E cabe recordar as palavras intemporais proferidas pelo oráculo de Delfos:

“Homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás todos os segredos do Universo”.

O movimento teosófico tem como seu dharma sagrado ajudar a humanidade a compreender o grande propósito da Vida, a origem comum de todos os seres e relembrar as potencialidades divinas que habitam em cada um. Como afirma a educadora Regina Pimentel, “as sementes da teosofia estão sendo plantadas”, e “a intenção pode mudar o mundo”. [3]

A atmosfera mental do planeta é preenchida por uma determinada massa de pensamentos/sentimentos e de intencionalidades de todo o tipo, que partem de cada ser humano. Nos pratos da balança cármica temos de um lado as intenções altruístas harmonizadas com o propósito das inteligências que conduzem ocultamente o processo evolutivo planetário;  e de outro as intenções contrárias ao bem geral e voltadas para a satisfação de interesses egoístas.

Qualquer indivíduo que possua uma intenção nobre e contemple o bem maior está aumentando a força do prato positivo da balança cármica.

Cada um deve decidir como conduzir a sua própria vida para que ela seja a concretização das suas melhores intenções. A tarefa não é fácil, nem pode ser alcançada de forma instantânea. É feita de aproximações e tentativas sucessivas, enquanto se aprende com os fracassos e se exercita a vontade.

Nossa disposição de avançar está diretamente ligada ao campo de visão amplo que temos diante de nós. A contemplação dos horizontes da vida, que vão muito além dos limites de uma única encarnação, leva-nos a compreender que o conhecimento fundamental é aquele que nos permite ir ganhando mestria na arte de viver corretamente.

Cabe a nós manter em nossa consciência esse vasto panorama, através do qual nossas pequenas vidas pessoais se transformam em instrumentos do despertar da humanidade, enquanto seguimos o ensinamento daqueles que vêem mais longe.

NOTAS:

[1] “A Chave para a Teosofia”, H.P. Blavatsky, Editora Teosófica, Brasília, 1991, ver p. 229.

[2] “The Friendly Philosopher”, Robert Crosbie, Theosophy Co., Los Angeles, 1945, ver p. 307. 

[3] “A Decisão de Avançar”,  texto de Regina Maria Pimentel de Caux. O artigo pode ser encontrado através da Lista de Textos por Ordem Alfabética, no website www.FilosofiaEsoterica.com .

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Joaquim Soares é professor, e vive em Portugal.

Para ter acesso a um estudo diário da teosofia original, escreva a lutbr@terra.com.br  e pergunte como é possível acompanhar o trabalho do e-grupo SerAtento.
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