sábado, 15 de setembro de 2012

O Processo Entre Duas Vidas



 
Como a Filosofia Esotérica
Descreve  a  Reencarnação
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
 
A roda da vida simboliza o fluir
cíclico de todas as coisas, e de todos os seres
 
 
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O texto a seguir mostra a visão da teosofia
original sobre os ciclos do sono, do sonho e do
despertar, e da vida, pós-morte  e renascimento. Ele
propõe uma  “consciência de 360 graus”  em relação
ao processo completo que ocorre entre duas vidas 
do mesmo ser humano, normalmente separadas por
um período que  varia de mil a três ou quatro mil anos.
 
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1. Uma Característica da Teosofia Original
 
Antes de abordar o processo que ocorre entre duas vidas físicas da mesma alma imortal, existe algo que deve ser destacado.   Há uma premissa básica e essencial que estabelece um claro divisor de águas entre a teosofia clássica, de um lado, e, de outro lado, o catolicismo, o espiritismo, a pseudo-teosofia e outras formas de espiritualidade popular.     
 
Para a teosofia de Helena Blavatsky, todo e qualquer caminho espiritual passa pela ampliação natural e não-violenta do contato entre a alma mortal (eu inferior, kama-manas) e a alma imortal (também conhecida como mônada, atma-buddhi, eu superior).  
 
O apego a crenças ou cerimônias impede a livre busca.  E o uso ou a intenção de obter  “poderes” no plano astral − exercidos pelo eu inferior − são vistos como uma manipulação irresponsável,  que em muitos casos tem graves consequências no pós-morte e nas próximas vidas.  As raras exceções a esta regra correm por conta especialmente das poucas pessoas que têm o dom natural (e não buscado) de fazer curas; e que, além disso, o usam de modo altruísta e não como meio de enriquecimento pessoal.  
 
No grupo de erros graves por manipulação de energias sutis, mas não espirituais, entram a projeciologia, a mediunidade, a clarividência induzida, e toda e qualquer manipulação pessoal e intencional de energias sutis; estes são os chamados “siddhis inferiores”, cuja busca é um sério obstáculo para a verdadeira espiritualidade.  As chamadas “canalizações”, quando não são mera fantasia, entram no mesmo grupo da mediunidade.  E quando são apenas fantasias têm, igualmente, o mau carma da falta de discernimento e da atitude infantil diante do que é sagrado.
 
A teosofia autêntica evita transformar o caminho espiritual em um espetáculo público de fogos de artifício. Ela não busca fatos extraordinários −  e quando eles acontecem não os divulga. Trabalhando lenta e gradualmente, ela transfere de modo silencioso e quase imperceptível o foco de consciênciadesde o eu inferior para o eu superior. Este é o caminho de Raja Ioga e Jnana Ioga: é um projeto de ação de longo prazo, e implica várias encarnações. 
 
Este caminho é percorrido através da reflexão, da autodisciplina, da auto-purificação,  e da contemplação das grandes verdades universais.  Ele inclui a ação altruísta;  a visão interdisciplinar e inter-religiosa das coisas; a impessoalidade e a prática da compaixão universal.  É o caminho da ampliação de Buddhi-Manas, o princípio da inteligência universal na consciência humana.   Este caminho faz parte da preparação da sexta sub-raça da quinta raça-raiz, que é, segundo a teosofia, o próximo passo da evolução humana. Esta não será uma sub-raça no sentido físico, e em teosofia – a filosofia da fraternidade – nenhuma raça-raiz ou sub-raça  é intrinsecamente superior ou inferior a outra.  Todas são igualmente instrumentos a serviço da evolução da mônada ou alma imortal, e cada mônada deve renascer nas diferentes raças-raízes e sub-raças. 
 
Qualquer forma de racismo é um mecanismo inaceitável de ignorância espiritual.  O novo tipo humano terá uma percepção de mundo naturalmente universal, e os pioneiros desta humanidade vêm despertando em números sempre crescentes  desde o final do século 19.  O movimento teosófico autêntico tem como meta ajudar este processo de estímulo e de despertar da inteligência superior, que é intrinsecamente solidária. 
 
Os cidadãos do futuro se caracterizam pela intuição raciocinada e pela razão intuitiva, características inseparáveis do sentimento de fraternidade planetária. Estas funções da consciência ativam novos circuitos cerebrais e novas áreas da mente humana.  E, nesse despertar, a atenção e o discernimento são fundamentais.  
 
Deve-se desenvolver a capacidade de enxergar o divisor de águas entre as “coisas pseudo-espirituais do eu inferior” e as “coisas verdadeiramente universais e essenciais”.  O correto é levar uma vida simples e altruísta, evitando as propostas “espirituais” aparentemente espetaculares,  mas que não possuem um conteúdo durável nem são aprovadas pelo bom senso.   
 
Para a  filosofia esotérica, como para o Novo Testamento,  o estudante deve, pois,   procurar o tesouro que está nos céus,  e o resto lhe será dado por acréscimo.  
 
Colocada esta premissa, vejamos como os Mestres dos Himalaias descrevem, em “Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett”,  o processo que ocorre entre duas vidas. É uma evolução que se desdobra em dois planos, fundamentalmente. Primeiro vem o plano do eu inferior; depois, o plano do eu superior. 
 
 2. Kama-loka – O Local dos Desejos
 
A primeira etapa após a morte física é o kama-loka (literalmente, “local de desejos e sentimentos pessoais”). 
 
O kama-loka corresponde de algum modo ao “purgatório” cristão. A grande diferença, é claro,  está em que o purgatório cristão é um local coletivo administrado autoritariamente pelo deus dos sacerdotes, enquanto o kama-loka é um estado de espírito, e é chamado de um “local” apenas no sentido simbólico. O kama-loka é uma realidade subjetiva inteiramente individual. É o produto do carma específico daquela alma mortal. É a colheita do que foi plantado em vida pelo eu inferior. 
 
O trecho das “Cartas dos Mahatmas” que veremos a seguir começa revelando qual é a duração normal do kama-loka.  O Mestre informa que a duração do kama-loka dura, normalmente, “desde algumas horas até alguns poucos anos”, conforme o caso e salvo as exceções.    
 
O trecho deixa claro que os suicídios são algo gravíssimo; e que outros tipos de morte violenta também causam situações extremamente difíceis no processo pós-morte.  A gravidade destas situações decorre do fato de que a alma ainda não está preparada para desapegar-se interiormente de nada, inclusive devido à sua pouca idade, em muitos casos, e devido ao fato de que a morte ocorreu durante a vivência de fortes paixões pessoais. 
 
A conclusão prática disso em termos sociais é que deveríamos evitar ao máximo as mortes no trânsito e outros tipos de morte violenta, no Brasil e no mundo. É de fundamental importância que as pessoas tenham a chance de viver vidas longas, de refletir sobre a vida, e inclusive de rever suas vidas nos anos finais.  A constante recordação do passado, feita pelos idosos, é saudável e útil. Ela prepara lentamente o terreno para os decisivos “30 a 90 segundos” finais de vida, quando a revisão final de toda a existência ocorrerá como em um “flash”, determinando a “resultante vetorial”, a nota-chave cármica, orumo de todo o processo sutil que vai desde  uma vida física até outra vida física. 
 
Assim, quando os idosos revisam constantemente fatos passados há muito, eles não estão “ficando caducos”, não.  Eles estão organizando suas lembranças, organizando seus arquivos vivenciais, tirando lições, e trabalhando ativamente para “deixar seus papéis em ordem” quando se forem.   Isso não quer dizer que estejam perto da morte. A tarefa pode começar décadas antes.  Os seres humanos podem e devem ter todo o seu passado a seu lado, conscientemente, enquanto vivem o presente. A negação artificial e voluntariosa do passado não ajuda.  É a compreensão do passado, e não a sua supressão, que ilumina a alma e a liberta para viver o presente. 
 
Finalmente, este trecho das Cartas esclarece o verdadeiro desastre humano e espiritual que é a prática espírita ou umbandista da mediunidade.  No futuro, podemos esperar que os movimentos espíritas compreendam e se libertem deste erro, adotando uma visão mais ampla das coisas e compreendendo que, na verdade, o caminho espiritual gira em torno do eu superior ou alma imortal, e não da alma mortal ou de suas cascas astrais.  
 
Nos parágrafos a seguir, o mestre usa o termo “Ego” como sinônimo de “eu superior”. Outros termos técnicos são explicados em notas de pé de página numeradas, cuja calma leitura será provavelmente indispensável para que o texto seja completamente compreendido. 
 
Diz o Mestre:
 
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A regra é que uma pessoa que tenha uma morte natural permaneça “desde algumas horas até uns poucos anos” dentro da atração da terra, isto é, no Kama-loka. Mas há exceções, no caso dos suicidas e daqueles que têm uma morte violenta em geral.
 
Consequentemente, um destes Egos, por exemplo, que estivesse destinado a viver, digamos, 80 ou 90 anos, mas que se matou ou foi morto por acidente, vamos supor, aos 20 anos – teria que passar no Kama-loka não “alguns anos”, mas neste caso 60 ou 70 anos, como um Elementário [1] , ou mais precisamente um “andarilho terrestre”, já que ele não é, infelizmente para ele, nem mesmo uma “casca”. Felizes, três vezes felizes, em comparação, são aquelas entidades desencarnadas que dormem seu longo sono e vivem em sonhos no seio do Espaço! E pobres daqueles cuja Trishna [2] os atraia para os médiuns, e pobres destes últimos, que os colocam em tentação com um Upadana [3] tão fácil. Pois ao agarrar-se a eles e satisfazer sua sede de vida, o médium ajuda a desenvolver neles – é de fato a causa de – um novo conjunto de Skandhas [4] , um novo corpo, com tendências e paixões muito piores que as do corpo anterior. Todo o futuro deste novo corpo será determinado, deste modo, não só pelo Carma de demérito do conjunto ou grupo anterior, mas também pelo do novo conjunto do futuro ser. Se pelo menos os médiuns e espíritas soubessem, como eu disse, que cada novo “anjo-guia” a que eles dão as boas-vindas em êxtase é induzido por eles a um Upadana que produzirá uma série de males indescritíveis para o novo Ego, o qual renascerá sob a sua sombra abominável, e que a cada sessão espírita – especialmente com materialização – eles multiplicam as causas de sofrimento, causas que farão o infeliz Ego fracassar em seu nascimento espiritual, renascer na pior das suas existências – eles seriam, talvez, menos liberais na sua hospitalidade.
 
E agora você pode entender por que nos opomos com tanta força ao espiritismo e à mediunidade.
 
[ Da Carta 68, pp. 312-313, vol. I, de “Cartas dos Mahatmas Para A. P. Sinnett”, Ed. Teosófica, Brasília, dois volumes.  ]
 
NOTAS:
 
[1] Elementário: casca astral em que predominam energias desarmônicas e anti-evolutivas.  
 
[2] Trishna: sede de viver, em sânscrito. 
 
[3] Upadana: a aquisição de órgãos sensoriais, em sânscrito. 
 
[4] Skandhas: registros cármicos que perduram de uma vida para a outra.
 
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3. Que Consciência Existe no Pós-morte?   
 
Vejamos agora como funciona a consciência,  nas etapas do  pós-morte que ocorrem no kama-loka.   Os dois fragmentos a seguir pertencem à Carta 70C, volume I de “Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett”. Devemos olhar para eles sabendo que são apenas dois curtos fragmentos. Eles esclarecem algumas coisas, mas ao mesmo tempo levantam outras muitas perguntas.
 
Também é importante levar em conta que estes relatos e ensinamentos não podem ser compreendidos repentinamente. O inconsciente e o subconsciente do estudante têm seus ritmos próprios, diferentes da mente consciente, e necessitam participar deste processo de investigação. Daí a necessidade de paciência. A perplexidade é natural e, como veremos  mais adiante, deve ser respeitada. 
 
O primeiro dos dois fragmentos inclui  o conceito de “feiticeiros”, usando-o  no sentido de “feiticeiros egoístas”.  Não nos interessa investigar aqui esta situação infeliz. Basta saber que são seres destituídos de inteligência espiritual, mas bastante astuciosos em sua busca de metas egocêntricas.  Estes seres conseguem postergar de certo modo a sua colheita cármica “durante um certo número de vidas”. Mas este tema não nos interessa. Nosso caminho é o caminho da inteligência espiritual e da unidade  consciente com a Lei Una, a lei da Verdade e do Amor universais.
 
O termo “adepto” significa um “iniciado experiente no caminho da Iluminação espiritual e cósmica”, que é o caminho do altruísmo e do auto-sacrifício pela libertação de todos os seres.
 
No primeiro fragmento, o mestre afirma que só em casos excepcionais alguém percebe, no pós-morte,  que o seu corpo físico está morto.  Alguém perguntará: “Como pode ser isso?” A resposta é simples. Usando a  lei da analogia, cabe lembrar que também no estado de sonho raramente alguém percebe que possui um corpo físico, e que este corpo físico está adormecido, tranquilo e descansando. A situação é equivalente. 
 
Diz, pois, o primeiro trecho da página 327, Carta 70C:
 
[fragmento um]
              
Aqueles que sabem que estão mortos em seu corpo físico só podem ser adeptos ou – feiticeiros; e estas duas são as exceções à regra geral. Como ambos foram “co-trabalhadores da natureza”, o primeiro para o bem, o segundo para o mal, no trabalho dela de criação e no de destruição, eles são os únicos que podem ser chamados de imortais – no sentido cabalístico e esotérico, é claro. 
 
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Até aqui, o primeiro fragmento. 
 
O segundo fragmento é igualmente surpreendente,  e aborda o fato de que não há, no pós-morte,  o pensamento tal  como o conhecemos em estado de vigília.  O pensamento que conhecemos necessita do funcionamento ativo do cérebro físico.  Aqui também vale a lei da analogia. Todos podemos perceber que, quando estamos com muito sono ou cansaço, temos a sensação de “não conseguir mais pensar”. Se o pensamento tal como o conhecemos pudesse ocorrer fora do cérebro,  não haveria esta sensação de impossibilidade. 
 
Embora possamos dizer que a mente não é o cérebro,  é fato que grande parte das funções mentais desaparece junto com a inatividade do cérebro físico.  Das funções mentais que desaparecem no pós-morte,  algumas serão recuperadas mais tarde, em um plano subjetivo de consciência.
 
Diz, então, o segundo fragmento selecionado da página 327:
 
[ fragmento dois ]
 
Assim, quando o homem morre, a sua “Alma” (quinto prin.) se torna inconsciente e perde toda memória tanto das coisas internas como das coisas externas. Se sua estada em Kama Loka tiver de durar apenas alguns momentos, ou horas, dias, semanas, meses ou anos; se ele teve uma morte natural ou violenta; se isto ocorreu na juventude ou na velhice, e se o Ego era bom, mau ou indiferente, em todos estes casos a sua consciência o deixa tão subitamente quanto a chama deixa o pavio, quando assoprada. Quando a vida se retira da última partícula de matéria do cérebro, as suas faculdades perceptivas são extintas para sempre, e seus poderes espirituais de cogitação e volição (em resumo, todas aquelas faculdades que nem são inerentes à, nem possíveis de adquirir pela, matéria orgânica) se extinguem por certo tempo.  
  
Até aqui o fragmento dois, e é desnecessário dizer da sua extrema importância. Assim como o primeiro fragmento, ele põe por terra grande quantidade de ilusões sobre o processo que ocorre entre duas vidas físicas. 
 
No estudo sobre o pós-morte publicado em edição especial de “O Teosofista” sobre reencarnação (e disponível na seção “O Teosofista” de www.FilosofiaEsoterica.com), vemos que após o kama-loka o foco central da consciência renasce purificado no Devachan.  Ali a consciência viverá um longo período de descanso e bem-aventurança, colhendo o bom carma do aspecto espiritual da sua vida terrena.  Isso, porém,  nem sempre é algo fácil de compreender.
 
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4. O Devachan Não Seria Um Sonho Egoísta? 
 
Uma estudante do e-grupo SerAtento perguntou se o Devachan não é, afinal, uma espécie de egoísmo. Com tantos processos evolutivos necessitando ajuda, por que alguém deveria  ficar um período de um a três mil anos em estado de felicidade constante
 
A pergunta é significativa, porque de fato o Mestre usa a expressão “egoísmo” em relação ao Devachan. Ele escreve, na  resposta três da Carta 68: 
 
“Naturalmente se trata de um estado; um estado, digamos assim, de intenso egoísmo, durante o qual o Ego colhe a recompensa do seu altruísmo na terra.”
 
Mas é preciso esclarecer que, em budismo, como em teosofia, a palavra “egoísmo”, quando se refere a níveis elevados e espirituais de consciência, nada tem a ver com o egoísmo tal como ocorre em níveis inferiores de consciência. Veja que o Mestre acrescenta “digamos assim”. É como se ele colocasse a palavra “egoísmo” entre aspas.
 
O  termo “egoísmo”, aplicado a níveis espirituais de consciência,  significa apenas um tipo de iluminação espiritual que não está diretamente ligado à compaixão universal. Mesmo assim, sendo puro e espiritual, nada tem a ver com egoísmo no sentido de prejudicar algum ser, nem em intenção, nem em pensamento, nem de forma alguma.
 
Como a “pessoa” que está no Devachan  não é um Mahatma, um Buddha nem um alto iniciado, ela viverá “eternamente” durante dez, vinte ou trinta séculos experimentando o prazer espiritual correspondente à sua vida passada. Mas ela não tem o sentido vivo de solidariedade e compaixão por todos os seres como ocorre no caminho espiritual avançado. Esta é uma das diferenças fundamentais entre Devachan e Nirvana. 
 
O Nirvana equivale, por analogia, a uma espécie de  “Devachan” que é alcançado durante a própria vida do corpo físico; que não ocorre obrigatoriamente, por “decurso de prazo”,  como o Devachan; que é alcançado por mérito próprio, depois de ser buscado conscientemente; que não contém ilusão alguma; e que liberta o ser individual da obrigação de reencarnar na fase atual da humanidade. 
 
O Nirvana é um êxtase que ocorre quase sempre ligado ao processo da compaixão. Ele é altamente compatível com a compaixão por todos os seres que já existiram ou irão existir no futuro.   Um discípulo avançado  conhece durante a vida física uma parcela significativa do Nirvana e assim “não precisa” da bênção demorada do Devachan para purificar-se espiritualmente antes de nascer de novo.  Assim, o discípulo avançado “desativa” a engrenagem obrigatória do pós-morte típico. Ele pode reencarnar mais rápido, com o objetivo de ajudar a humanidade. 
 
O caminho dos Mestres dos Himalaias e dos seus discípulos é o caminho simbolizado nos evangelhos do  Novo Testamento, na lenda de Buddha e em outras grandes escrituras da humanidade. É o caminho do sacrifício total pelo bem-estar de todos os seres. Tal sacrifício é grande  fonte de felicidade, e ele é feito tanto antes quanto depois de atingir o Adeptado ou a Libertação.
 
A esta altura, pode surgir uma pergunta importante para nós, aspirantes à sabedoria. Será que nós buscamos o caminho espiritual para libertar-nos das causas do sofrimento, ou para libertar os outros, para ajudar a todos os seres?   Isto é algo para meditar com calma, porque o êxito depende da intenção.  Um buscador egoísta não pode encontrar o caminho da alma imortal.  Todo efeito surge da causa que lhe corresponde,  e se a meta (o efeito) é altruísta,  a motivação (a causa)  deve ser igualmente altruísta,  para que haja vitória.  
 
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5. Observando a Perplexidade: Perguntas e Comentários      
 
Para muitos, o assombro, a dúvida e  a perplexidade são inevitáveis quando se começa a estudar o que ocorre durante o processo da reencarnação, e mais especificamente no “local dos deuses”, o Devachan.  Vejamos agora a adaptação de um diálogo individual entre dois membros do e-grupo SerAtento:   
 
Pergunta 1:
 
Lamento dizer que a visão espírita do pós-morte, com suas cidades bem organizadas, sua vida social, seus restaurantes e sua possibilidade de viver e ter contato com as pessoas,  parece muito mais atraente do que uma bem-aventurança subjetiva que  corresponde a um estado de sonho, no Devachan. 
 
Comentário:
 
É claro.  É compreensível que uma religião em busca de seguidores procure, consciente ou inconscientemente, prometer “uma vida melhor” no “além”, na qual o indivíduo possa manter todas as aparentes vantagens e apegos  que tem na vida física, apenas com a vantagem da ausência de sofrimento.  Também é compreensível que uma pessoa que vá a um restaurante na cidade espírita subjetiva possa comer à vontade sem preocupar-se com o nível de colesterol.  Isso seria o bônus sem ônus, a colheita sem plantio, a causa sem consequências.  Mas a natureza não funciona deste modo. 
 
O caminho da verdade é estreito exatamente porque está rodeado de ilusões pelos dois lados.  A filosofia esotérica ensina a trilhar o caminho íngreme da renúncia às ilusões, e coloca a verdade acima daquela vontade pessoal que todos temos, a vontade de dizer coisas agradáveis a nossos amigos.  Mesmo assim, a árvore se mede pelos frutos e, levando em conta os resultados, a verdade meio-amarga é melhor que a ilusão agradável.
 
Na realidade, quando a pessoa morre, ela perde de imediato os seus três princípios inferiores, que são: 1) o corpo físico (sthula sharira); 2)  a vitalidade (prana);  e  3) o patrimônio genético e cármico que orienta a vitalidade (linga-sharira).  Sem estes três princípios, o indivíduo já não possui a capacidade de criar carma novo. Morto o corpo físico, não há mais livre arbítrio.  É verdade que o indivíduo não tem consciência desta  perda, e que podemos  perguntar-nos também quantas pessoas – mesmo enquanto vivem no plano físico – possuem um real livre-arbítrio sobre suas vidas  e tomam decisões independentes, sem deixar-se levar apenas pelas circunstâncias. Mas esta é outra questão.
 
O fato é que, nos momentos finais da vida física cerebral, são determinados o conteúdo e o rumo de todo o processo após a morte física. Nestes instantes, que duram  talvez entre 30 e 90 segundos,  ocorre uma “recapitulação” completa e detalhada da existência humana que termina.  É neste minuto ou minuto e meio que surgem, como uma resultante vetorial, o “script” e a trajetória básicos de todo o processo de um mil a três mil anos (em média) que está começando e que levará até uma nova existência, em uma  época e uma situação bastante diferentes.  
 
Assim, a fantasia de que alguém pode “fazer o que quiser” durante o pós-morte é um produto da imaginação idealizadora de pessoas que não sabem o que é,  nem como funciona,  a consciência humana após a destruição do corpo físico. Esta falta de conhecimento pode ser superada, porém,  estudando os ensinamentos clássicos sobre  metempsicose ou reencarnação. Há seres “Imortais” (para usar um termo taoísta) que têm intimidade com o Nirvana – ao qual renunciaram apenas para ajudar a humanidade. Eles sabem bem o que é o Devachan, e conhecem perfeitamente o funcionamento de todos os estágios da vida pós-morte.  Estes seres transmitiram ensinamentos que estão ao nosso alcance. Podemos usar nosso livre-arbítrio a respeito disso, e este é um privilégio de grande valor. 
 
Pergunta 2:
 
A idéia do Devachan me provoca uma sensação de tristeza. Há um sentimento de perda de algo, mas não sei definir bem o sentimento.  Talvez a minha noção de bem-aventurança após a morte seja demasiado terrena. O fato é que o Devachan me sugere uma situação de  isolamento.
 
Comentário:
 
É provável que 70 ou 80 por cento do caminho espiritual consistam em abandonar as ilusões mentais e emocionais que nos impedem de perceber a verdade.  Uma destas ilusões consiste em postergar para “algum futuro indefinido” o confronto com a realidade da morte e a possibilidade do renascimento. 
 
O estudo e o debate sobre Devachan e outros aspectos da reencarnação mostram para o mundo emocional inconsciente do estudante que ele não é imortal.   No dia a dia, a maior parte dos indivíduos se relaciona com a vida física como ela fosse ilimitada.  É verdade que, por dentro, somos mesmo imortais. Esta sensação interior está certa.  Mas nossos instrumentos ou veículos físicos têm um prazo de validade limitada, e é bom lembrar disso – embora em um primeiro momento possa ser entristecedor.  
 
Estudando a visão teosófica clássica dos processos pós-morte, ganhamos “uma consciência de 360 graus” do ciclo da vida e da morte;  não com base em idealizações, mas com base em fatos.  E aprendemos a valorizar melhor tempo que nos toca viver.
 
As idealizações bem-intencionadas não ajudam muito. Não faz sentido haver cidades pós-morte, pelo mesmo motivo de que não existem cidades, nem restaurantes, durante os nossos sonhos. Se houvesse tais cidades no astral, todos poderiam ter acesso a elas ao dormir, já que ao dormir vamos ao astral.  O fato central é que, assim como os sonhos de um indivíduo fisicamente vivo são  − salvo exceções − inteiramente subjetivos e correspondem ao seu mundo pessoal, assim também os estados pós-morte são resultado do seu mundo subjetivo, que é exclusivamente seu e que corresponde a seu próprio carma.  Isso não elimina toda possibilidade de contato real entre um habitante dos estados pós-morte e pessoas fisicamente vivas. Mas este contato ocorre apenas excepcionalmente e é com certeza  parcial, limitado, e na sua essência não-verbal, porque é muito mais profundo que o contato verbal. 
 
Pergunta 3:
 
É decepcionante saber que o contato constante, normal, entre o habitante do Devachan e as pessoas que ele amou é apenas subjetivo e não objetivo;  pertence ao mundo dos sonhos e não da realidade.  
 
Comentário:
 
Sim, mas esta decepção faz bem. 
 
A verdade é que, se o habitante do Devachan mantivesse contato literal com gente fisicamente viva,  ele teria  preocupações e ansiedades em relação às pessoas e as  situações importantes para ele;  e, portanto, já não existiria Devachan
 
Devachan não é isolamento: é desapego − acrescido de felicidade. Mas se o habitante do Devachan pudesse ter um telefone celular físico e “real” para conversar com quem ele ama e ver como vão seus filhos, conseguir emprego para eles e acompanhar o crescimento dos netos e bisnetos – que Devachan seria esse?  Basta imaginar a situação.
 
Neste caso, o velho Deus antropomórfico não só existiria,  mas ele também seria  brasileiro e “daria um jeitinho” para  os amigos  terem mais conforto pessoal.  
 
“Pode-se conseguir os últimos lançamentos em discos?” -  perguntariam alguns.  E outros gostariam de saber:
 
“Há Internet em banda larga por aqui? Preciso saber se meu filho aprovou o concurso...”
 
Deste modo não haveria bem-aventurança nem descanso, mas sim um exílio, um afastamento forçado, sofrido,  cheio de preocupações, esperanças, medos –  e manipulações políticas e emocionais.  Este tipo de jogos de apego, com suas rejeições inevitáveis,  ocorrem na verdade muito antes, no kama-loka,  o local de desejos pessoais.  Mas, é claro, sempre como recordações e sonhos.
 
Vejamos agora outro aspecto da questão.  É perfeitamente compreensível que alguém diga:  
 
“Fico decepcionado por saber que o Devachan, afinal, não passa de um sonho”. 
 
Mas é recomendável pensar bem sobre esta frase.  O que é “realidade” para nós? E o que é “sonho”?  
 
No mundo tridimensional,  usando cinco sentidos, pensamos que estamos “vivendo a realidade” por um motivo muito simples.  Esta  é a única realidade que conhecemos.     Mas, quando dormimos e sonhamos,  é o sonho que parece real,  e a “realidade paralela” do estado de vigília não é sequer imaginável ou concebível. Nem é lembrada. 
 
Devemos ter, pois, a humildade de reconhecer que a nossa noção de realidade é muito relativa, tanto quando estamos acordados, como quando estamos dormindo.   Para o cidadão médio, o mundo tridimensional é o real. Os outros estados de consciência – entre eles o êxtase do místico e do meditador  – não passam de um tema de especulação.  Mas para o habitante do Devachan,  em compensação, é o Devachan que é profundamente real. A estes diferentes pontos de vista correspondem visões diferentes da realidade una e total.  A percepção mística e filosófica permite integrar gradualmente estas “realidades paralelas”.
 
Há também algo de ilusão na idéia de que as pessoas estariam realmente  acordadas, quando estão em estado de vigília.   A vida demonstra que elas estão sonhando.  O estado de vigília parece ser  parente próximo do sonambulismo.  As pessoas estão seguindo seus sonhos: o sonho do dinheiro, o sonho da prosperidade material, o sonho do amor romântico, o sonho das férias em algum lugar,  o sonho da promoção no trabalho, o sonho do caminho espiritual, o sonho de fazer bem aos outros,  e assim sucessivamente.  O budismo e a teosofia têm um nome e um remédio para isso. O nome é maya. O remédio é o caminho da ética e da sabedoria, que purifica a mente e aumenta a sua lucidez. 
 
As pessoas que sonham “acordadas” no mundo tridimensional têm, naturalmente, todo direito de chamar este sonho de realidade.  Mas os habitantes do Devachan também têm o direito de viver profunda e verdadeiramente a sua felicidade ilimitada,  que é, aliás, muito mais íntegra, completa e verdadeira do que os sonhos do cidadão terrestre que pensa que está acordado.
 
Pergunta 4:
 
Mas por que é que eu tenho, então, a sensação de que há um  isolamento no Devachan?
 
Comentário:
 
Não há qualquer experiência de isolamento no Devachan.  Há, isto sim, uma experiência de comunhão e felicidade irrestritas.   A experiência de isolamento é típica dos mundos psicológicos do mundo tridimensional.   Conforme for o caso, a experiência de isolamento  pode ocorrer também no universo do kama-loka, porque o kama-loka  gravita em torno dos desejos pessoais. 
 
No devachan, a alma imortal libertou-se da ignorância espiritual e tem direito a um longo descanso do sofrimento.  Cumprem-se ali, essencial e interiormente, os melhores sonhos alimentados ao longo da vida passada. É só quando a experiência de descanso e bem-aventurança se esgota, que ocorre o impulso capaz de levar a alma  – a mônada – a renascer outra vez.
 
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Para ter acesso a um estudo diário da teosofia original, escreva a lutbr@terra.com.br  e pergunte como é possível acompanhar o trabalho do e-grupo SerAtento.
 
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