Um Informe Especial Sobre a Ilusão Monoteísta
Carlos Cardoso Aveline
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Os seis textos a
seguir foram publicados
inicialmente na edição
de “O Teosofista”
de fevereiro de 2010,
e visam investigar
o processo pelo qual
a crença em um deus
monoteísta e a
religiosidade dogmática
devem dar lugar,
hoje, a uma pedagogia
espiritual baseada na
independência solidária.
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“..... Nós negamos Deus
como filósofos e como budistas.”
[Da Carta 88 de “Cartas dos Mahatmas”]
1.Sábios Orientais Não Conhecem Deus
Raja
Ioga Ensina Sobre Lei Universal e Auto-responsabilidade
Um número crescente de pessoas examina hoje a origem
e a história da noção de Deus, e compreende que os deuses Criadores e
Salvadores das diferentes religiões populares foram, sempre, inventados pelos
próprios seres humanos.
A credulidade religiosa dos povos não sustenta só as ilusões teológicas
e as castas sacerdotais. Ela também justifica e legitima a guerra, o terror, o
armamentismo, a escravização das mentes
e outras formas de desrespeito à vida. O que está em jogo, pois, não é um mero debate teórico entre os
seguidores desta ou daquela tese, mas o futuro da atual civilização. A
violência no Afeganistão, no Paquistão, no Oriente Médio e ao redor do
mundo não é obra do acaso. O ódio entre povos e religiões tem um fundo
cultural, e resulta de uma visão teológica e monoteísta do mundo.
A violência e até a proliferação nuclear feitas em nome de
Deus estão na pauta das reuniões da ONU. Elas também são discutidas diariamente
nos meios de comunicação. Mas a agressão que surge da fé em deus nem sempre
chega ao nível político-militar. Ela pode ser mais sutil, como quando promove,
por exemplo, a dominação mental e a cegueira voluntária de milhões de
pessoas.
A força atual da credulidade supersticiosa resulta da pouca
popularização, durante o século 20, da
filosofia esotérica oriental e das diversas filosofias universalistas. Isso
torna mais difícil, e mais importante, o desafio da primeira metade do século
21.
A crise global de hoje deve ser olhada de frente. Ela é ao mesmo tempo ética, geológica,
financeira, política, espiritual, e, potencialmente, militar-nuclear. Nesta
situação, a iniciativa positiva deveria vir dos países cristãos. O cristianismo
lidera a civilização. Há milhões de cristãos sinceros. Os cidadãos ocidentais
deveriam ser os primeiros a romper com
as antigas superstições forjadas durante a idade média. Eles deveriam resgatar
por iniciativa própria aquela ética universal que permite ver além dos dogmas e
que nos capacita para reconhecer como irmãos todos os povos. Abandonando as
superstições, os cidadãos de todo o mundo perceberão a unidade interdisciplinar que permeia
as diferentes culturas, religiões e filosofias, e também poderão ver as imperfeições de cada uma delas. Abrir espaço
para esta nova visão das coisas é uma tarefa prática.
Como parte da reflexão a este respeito, transcrevemos a seguir
cinco trechos de um dos documentos mais extraordinários da filosofia esotérica
de todos os tempos. Escrito em 1882, o texto está publicado como Carta 88 na
coletânea de “Cartas dos Mahatmas”. Nele, um Raja Iogue explica a posição da
filosofia esotérica diante da questão de Deus.[1] Diz o Mestre:
1)
Causas e Efeitos.
“Nem a nossa filosofia, nem nós próprios acreditamos em um Deus, e muito
menos em um Deus cujo pronome necessita uma inicial maiúscula. Nossa filosofia
se encaixa na definição de Hobbes. Ela é preeminentemente a ciência dos efeitos
pelas causas e das causas por seus efeitos, e já que ela é também a ciência das
coisas surgidas do primeiro princípio, segundo a definição de Bacon, antes de
admitir qualquer primeiro princípio devemos conhecê-lo, sem o que não temos o
direito de admitir nem mesmo sua possibilidade.” (páginas 53-54)
2) A Verdade Sem Meios-Termos.
“Nossa doutrina não conhece meios-termos. Ela afirma ou nega, porque só
ensina aquilo que sabe que é a verdade. Portanto, nós negamos Deus como
filósofos e como budistas. Sabemos que há vidas planetárias e outras vidas
espirituais, e sabemos que em nosso sistema solar não existe coisa tal como
Deus, seja pessoal ou impessoal. Parabrahm não é um Deus, mas a lei absoluta
imutável, e Ishwar é o efeito de Avidya e Maya, ignorância baseada na grande
ilusão. A palavra ‘Deus’ foi inventada para designar a causa desconhecida daqueles
efeitos que o homem tem admirado ou temido sem entender, e já que nós alegamos
e somos capazes de comprovar o que alegamos - isto é, que conhecemos aquela
causa e outras causas - temos condições de sustentar que não há Deus ou Deuses
atrás daqueles efeitos.” (página 54)
3) Deus é um Bicho-Papão.
“A idéia de Deus não é uma noção inata, mas adquirida, e nós só temos uma
coisa em comum com as teologias - nós revelamos o infinito. Mas enquanto
atribuímos causas materiais, naturais, sensíveis e conhecidas (por nós, pelo
menos) a todos os fenômenos que procedem do espaço, da duração e do movimento
infinitos e ilimitados, os teístas atribuem a eles causas espirituais,
sobre-naturais, ininteligíveis e desconhecidas. O Deus dos teólogos é
simplesmente um poder imaginário, un loup garou [bicho-papão] na expressão de
d’Holbach - um poder que até agora nunca se manifestou. Nossa principal
meta é libertar a humanidade deste pesadelo, ensinar ao homem a virtude
pelo bem da virtude, e ensiná-lo a caminhar pela vida confiando em si mesmo, ao
invés de depender de uma muleta teológica que por eras incontáveis foi a causa
direta de quase toda a miséria humana.” (páginas 54-55)
4)
A Vida Una Inclui o Mundo Material.
“Podemos
ser chamados de panteístas - de agnósticos, NUNCA. Se as pessoas estiverem
dispostas a aceitar e a ver como Deus nossa VIDA UNA, imutável e inconsciente
em sua eternidade, poderão fazê-lo e assim manter mais um gigantesco equívoco
de denominação. Mas então terão de dizer como Spinoza que não há e não podemos
conceber qualquer outra substância além de Deus, conforme aquele famoso e
infeliz filósofo [2] diz
em sua décima-quarta proposição: “praeter Deum neque dari neque concipi potest
substantia” - e assim tornarem-se panteístas... Quem, exceto um teólogo formado
no mistério e no mais absurdo sobrenaturalismo pode imaginar um ser
auto-existente, necessariamente infinito e onipresente, fora do universo manifestado que não tem
fronteiras? A palavra infinito é apenas uma negativa
que exclui a idéia de limites. É evidente que um ser independente e onipresente
não pode estar limitado por nada que seja externo a ele; que não pode haver
nada externo a ele - nem mesmo um vácuo; portanto, onde haverá espaço para a
matéria? Para aquele universo manifestado, mesmo que este último seja limitado?
Se perguntarmos aos teístas se o Deus deles é vácuo, espaço ou matéria, eles
responderão que não. E no entanto eles sustentam que o Deus deles penetra a
matéria embora ele próprio não seja matéria. Quando nós falamos da nossa Vida
Una, também dizemos que ela não só penetra, mas é a essência de cada átomo de
matéria; e que, portanto, ela não apenas tem correspondência com a matéria mas
possui também todas as suas propriedades, etc. - conseqüentemente, é material, é a própria matéria.” (página 55)
5) Crença em Deus Produz Sofrimento Desnecessário.
“....Direi a você qual é a maior, a principal causa
de cerca de dois terços dos males que perseguem a humanidade desde que esta
causa se tornou um poder. É a casta sacerdotal, o clero e as igrejas; é nestas
ilusões que o homem vê como sagradas, que ele deve procurar a fonte daquele
sem-número de males, que é a grande maldição da humanidade e que quase domina
totalmente o gênero humano. A ignorância criou os Deuses e a astúcia aproveitou
a oportunidade. Veja a Índia, veja a Cristandade, o Islamismo, o Judaísmo e o
fetichismo. Foi a impostura dos cleros que fez com que estes Deuses passassem a
ser tão terríveis para o homem; é a religião que o transforma no beato egoísta,
no fanático que odeia toda a humanidade fora da sua própria seita, sem torná-lo
em nada melhor ou mais moral por isso. É a crença em Deus e nos Deuses que faz
de dois terços da humanidade escravos de um punhado daqueles que os enganam com
o falso pretexto de salvá-los. O homem não está sempre pronto a cometer
qualquer tipo de maldade se lhe disserem que seu Deus ou Deuses exigem o crime
– vítima voluntária de um Deus ilusório, escravo abjeto de seus ministros
astuciosos? Os camponeses irlandeses, italianos e eslavos passarão fome, e
verão suas famílias famintas e sem roupa, para alimentar e vestir seu padre e
seu papa. Durante dois mil anos a Índia gemeu sob o peso das castas, com os
brâmanes engordando só a si mesmos com o melhor da terra, e hoje os seguidores
de Cristo e os de Maomé estão cortando as gargantas uns dos outros em nome – e
para maior glória – dos seus respectivos mitos. Lembre que a soma da miséria
humana nunca será diminuída até aquele dia em que a parte melhor da humanidade
destruir, em nome da Verdade, da moralidade e da caridade universal, os altares
dos seus falsos deuses.” (páginas 61-62)
NOTAS:
[1] “Cartas
dos Mahatmas Para A. P. Sinnett”, Editora Teosófica, Brasília, 2001, edição em
dois volumes, ver volume II, Carta 88.
Os números das páginas são indicados entre parênteses ao final de cada
trecho. A íntegra da Carta 88 está publicada em www.filosofiaesoterica.com sob o título “Deus Pessoal ou Lei
Universal?”, e pode ser facilmente localizada no website através da Lista
de Textos por Ordem Alfabética.
[2] Benedictus de Spinoza foi perseguido por suas
idéias filosóficas mesmo na Holanda do século 17, conhecida por seu clima de
liberdade religiosa. Sua principal obra, “Ética”, não pôde ser publicada
enquanto ele viveu. Foi acusado de ateísmo e considerado um herege pela
comunidade judaica. A décima-quarta proposição mencionada a seguir pelo Mestre
pertence à parte I, “De Deus”, do seu famoso tratado sobre a Ética (publicado
no Brasil pela Ed. Ediouro). (Nota da
edição brasileira de “Cartas dos Mahatmas”)
2.
Do Monoteísmo para o Universalismo
Século
21 Pode Trazer a Fraternidade Planetária e Inter-Religiosa
Por
toda parte e desde a mais remota antiguidade, o homem criou Deus à sua própria
imagem e semelhança, e não o contrário. As ideologias monoteístas fortalecem a intolerância. Desde que elas passaram a dominar, não têm
faltado tentativas de assegurar-se a posse exclusiva do mundo divino por parte
de diferentes povos, cujos deuses, convenientemente, autorizam a matar e a
maltratar sem dó nem piedade os “infiéis”, os “hereges” e os “descrentes”.
O deus dos cristãos seria, supostamente,
“o único existente”. Esta pretensão pouco modesta justificou o desrespeito e a
perseguição não só dos judeus, mas dos povos indígenas das Américas, da África
e da Ásia. Na verdade o deus dos
cristãos é uma cópia e uma versão romanizada do deus judaico, que, por sua vez,
também é supostamente “único”, tenha sido tomado e adaptado de povos e tribos
ainda mais antigos. Ao invés de agradecer aos hebreus por tomar-lhes emprestado
o seu Deus e a sua escritura, os cristãos perseguiram os seguidores de Jeová
durante quase dois mil anos. Tentaram eliminá-los como povo e como
cultura, pela intimidação, pela
assimilação forçada, e pela violência física. Talvez por isso Adolf Hitler
nunca tenha sido excomungado, e nem sequer criticado pelo Papa, antes da sua
derrota militar. Na área do desrespeito aos direitos humanos, Adolf Hitler e os
papas tinham muito em comum.
O deus muçulmano é uma criação mais
recente que a divindade monoteísta cristã.
Ele também é apresentado como o
único deus que existe, mas, na prática, ele é um irmão mais jovem do deus que hoje é
controlado - em suas diversas versões - pelas igrejas católicas, ortodoxas,
protestantes e luteranas.
A verdade é que, desde a mais
remota antiguidade, cada povo tem produzido sempre os seus mitos simbólicos e
divinos com base na mitologia herdada de povos mais antigos. Helena P. Blavatsky escreveu em “A Doutrina Secreta”:
“Não é o Uno Desconhecido e sempre presente
Deus na Natureza, ou Natureza in
abscondito, que é rejeitado, mas o Deus do dogma humano e a sua “Palavra” humanizada. Com sua infinita presunção e
seu orgulho e vaidade inerentes, o homem criou ele próprio o seu Deus com sua
mão sacrílega a partir dos materiais que encontrou em sua pequena estrutura
cerebral, e o impôs à humanidade como se
fosse uma revelação direta do ESPAÇO uno
e não revelado.” [1]
A “Carta do Grande Mestre” - também conhecida na
literatura esotérica como
“Carta do Chohan” - descreve o programa de ação de longo prazo do
movimento teosófico. Ali podemos ler a seguinte profecia, cujo cumprimento deverá
ocorrer com ajuda ativa do movimento esotérico autêntico:
“As doutrinas fundamentais de todas as
religiões se comprovarão idênticas em seu significado esotérico, uma vez que
sejam desagrilhoadas e libertadas do peso morto representado pelas interpretações
dogmáticas, dos nomes pessoais, das concepções antropomórficas e dos
sacerdotes assalariados. Osíris, Krishna, Buda e Cristo serão apresentados
como nomes diferentes de uma mesma estrada real para a bem-aventurança final,
o Nirvana.”
E a carta do Chohan prossegue:
“O Cristianismo místico, isto é,
aquele Cristianismo que ensina a autolibertação através do nosso próprio sétimo
princípio - o Para-Atma (Augoeides) libertado,
chamado por alguns de Cristo, por outros, de Buda, e equivalente à regeneração
ou renascimento em espírito - será visto como
exatamente a mesma verdade do Nirvana do Budismo. Todos nós temos de
nos livrar de nosso próprio Ego, o ser ilusório e aparente, a fim de
reconhecer nosso verdadeiro ser em uma vida divina transcendental. Mas, se não
formos egoístas, devemos esforçar-nos e fazer com que outras pessoas vejam
essa verdade, e reconheçam a realidade desse ser transcendental, o Buda,
Cristo ou Deus de cada pregador. Esta é a razão por que mesmo o Budismo
exotérico é o caminho mais seguro para conduzir os homens em direção à única
verdade esotérica. Do modo como se
encontra o mundo agora, seja cristão, muçulmano ou pagão, a justiça é
desconsiderada, enquanto a honra e a piedade são atiradas ao vento.”
Mais adiante, o documento afirma:
“O mundo em geral, e especialmente a
cristandade, abandonado por dois mil anos ao regime de um Deus pessoal, bem
como a seus sistemas políticos e sociais baseados nessa idéia, provou agora ser
um fracasso.” [2]
De fato, as religiões supersticiosas não
produziram ética, nem paz, nem justiça social. Tampouco estabeleceram um
convívio equilibrado com o meio ambiente natural. Elas deixaram de servir à
evolução humana, e algo melhor do que elas está surgindo agora, gradualmente. O processo de nascimento da
visão pós-dogmática e universalista
do mundo deverá acelerar-se nos séculos 21 e 22.
NOTAS:
[1] “A Doutrina
Secreta”, H.P. Blavatsky, Ed. Pensamento,
edição em seis volumes, ver volume I, p. 77. Na edição original,
“The Secret Doctrine”, H. P. Blavatsky, Theosophy Co., Los Angeles, 1982, volume
I, p. 9.
[2] O texto “A
Carta do Grande Mestre” pode ser localizado através da “Lista de Textos por
Ordem Alfabética”, no website www.filosofiaesoterica.com. Para localizar o documento através da Lista
de Textos por Autor, busque-se como autor “Um Mahatma dos Himalaias”.
3.
A Dimensão Sutil da Crença em Deus
Espíritos
Anti-Evolutivos Animam as Crenças Religiosas Dogmáticas
A crença popular no Deus
pessoal, vingativo, rancoroso e temível que é imaginado pelas igrejas e religiões
convencionais constitui uma causa desnecessária de sofrimento humano, segundo alerta
a Carta 88 das “Cartas dos Mahatmas”.
A julgar pelas ações dos seus sacerdotes, este deus
justifica mentir, matar e oprimir, sempre que tais crimes sejam feitos - pelo
menos nominalmente - para maior glória dele próprio.
No entanto, isso não é tudo. Não basta perceber apenas este
mecanismo da credulidade dos povos. Um documento incluído em “Cartas dos Mahatmas” mostra um aspecto mais
sutil, e amplamente desconhecido, do processo da crença em deus. Trata-se da
Carta número 30, no volume I, que inclui uma mensagem colocada no papel por
H.P. Blavatsky, sob ditado do mestre dela.
O texto ditado revela que os deuses das religiões dogmáticas
são de fato energias sutis animadas por espíritos
planetários anti-evolutivos, cuja função cármica é evitar que a Vitória
da Sabedoria Universal no coração humano ocorra de modo prematuro. O Mestre designa
tais espíritos planetários atrasados pelo nome de Ma-Mo Chohans.
Na mesma Carta 30, o Mahatma explica por que motivo um Raja-Iogue
não pode ajudar em sua caminhada a quem crê em superstições como “Deus” e “Deuses”
no sentido dogmático. Tal crença destrói as possibilidades de uma afinidade
magnética, porque fecha a aura do
indivíduo para a expansão de consciência que constitui a substância do caminho
espiritual.
Diz a Carta 30:
“A fé em Deuses ou
em Deus e outras superstições atraem milhões de influências alheias, entidades
vivas e poderosos agentes para perto das pessoas, e nos veríamos obrigados a
usar algo mais que o exercício comum de poder para afastá-los. Nós decidimos
não fazê-lo. Não consideramos necessário nem proveitoso perder o nosso tempo
travando uma guerra com planetários [1] atrasados que se deliciam personificando
deuses e, às vezes, personagens famosos que viveram na terra. Existem
Dhyan-Chohans, e "Chohans das Trevas", não o que eles chamam de diabos,
mas "Inteligências" imperfeitas que nunca nasceram nesta ou em
qualquer outra terra ou esfera, tanto quanto os "Dhyan-Chohans", e
que nunca farão parte dos "construtores do Universo", as
Inteligências Planetárias puras que presidem cada Manvantara, enquanto
que os Chohans das Trevas presidem os Pralayas. Explique isso ao sr. Sinnett
(EU NÃO POSSO) – diga-lhe que leia de novo o que disse a eles nas poucas coisas
que expliquei ao sr. Hume, e que ele se lembre de que, assim como tudo neste
universo é contraste (não posso traduzi-lo melhor) assim também a luz dos Dhyan
Chohans e sua inteligência pura é contrastada pelos "Ma-Mo Chohans"
– e sua inteligência destrutiva. Esses são os deuses que hindus, cristãos,
maometanos e todos os demais integrantes de religiões e seitas intolerantes
fanáticas adoram; e enquanto a sua influência se fizer sentir sobre os seus
devotos, não nos ocorreria a idéia de associar-nos a eles nem de opor-nos a seu
trabalho, do mesmo modo como em relação aos Gorros Vermelhos
[2] na terra, cujos resultados maléficos
tratamos de diminuir, mas com cujo trabalho não temos direito de imiscuir-nos,
enquanto eles não se interpuserem em nosso caminho.”
Depois desta mensagem ditada pelo raja-iogue, Helena
Blavatsky prossegue na carta acrescentando uma explicação sua. Ela diz o
seguinte (colocamos alguns termos explicativos entre colchetes, em itálico e sublinhados) :
“Aqui (...) [o
Mestre] quer dizer que eles não têm o direito, nem o poder, de ir
contra a natureza, ou contra aquele trabalho que foi destinado pela lei da
natureza para cada tipo de seres ou coisas existentes. Os Irmãos [os
Mahatmas] , por exemplo, podem (....) até certo grau reduzir o mal e
aliviar o sofrimento: mas não podem destruir o mal. Do mesmo modo os Dhyan
Chohans [espíritos planetários
evolutivos, que trabalham pela libertação humana] não podem impedir o
trabalho dos Mamo Chohans, pois a Lei destes é trevas, ignorância,
destruição, etc., assim como a Lei dos primeiros é Luz, conhecimento e
criação. Os Dhyans Chohans respondem a Buddh, Sabedoria Divina e Vida em
conhecimento abençoado, e os Ma-mos são a corporificação na natureza de Shiva,
Jeová e outros monstros inventados, que têm a ignorância como seguidora.”
Vemos assim que, de acordo com a filosofia esotérica, há de
fato algo “real” que interage no plano sutil com as seitas religiosas cuja base
é o dogmatismo e a crença ritualista. Este “algo” são espíritos planetários
anti-evolutivos.
A tarefa da teosofia - e a filosofia ocidental clássica
sempre apontou no mesmo sentido - é libertar a humanidade do pensamento
supersticioso que procura perpetuar a ignorância.
[1] Isto é,
espíritos planetários. (N. ed. bras.)
[2] Seita asiática cujo
trabalho é contrário à evolução espiritual. (N. ed. bras.)
4. A Crença Como Problema Pedagógico
Dependência Teológica Destrói Autoconfiança do
Indivíduo
Um Mahatma explicou os motivos psicológicos pelos quais a crença
supersticiosa em um Deus Monoteísta obstaculiza o aprendizado espiritual. Diz o
Mestre:
“Um
sentimento constante de dependência abjeta a uma Divindade vista como a única
fonte de poder faz com que um homem perca toda autoconfiança e o impulso para a
atividade e a iniciativa. Tendo começado por criar um pai e guia para si, ele
se torna como um menino e permanece assim até a idade avançada, esperando ser
conduzido pela mão tanto nos pequenos como nos grandes acontecimentos da vida.
O ditado “Ajuda a ti mesmo e Deus te ajudará” é interpretado por ele de tal
maneira que, quando um empreendimento resulta de modo vantajoso, ele credita
isso apenas a si mesmo; quando é um fracasso, ele atribui isto à vontade de seu
Deus. (.....) Os pecados de vocês? O maior é atribuir a Deus a
tarefa de libertá-los deles. Esta não é uma piedade meritória, mas uma
debilidade egoísta e indolente. Ainda que a vaidade possa sussurrar o contrário,
preste atenção apenas a seu bom senso.” [1]
Ou seja, enquanto houver crença em
um deus monoteísta, não pode haver uma compreensão cabal de que o principal templo
é nossa própria consciência, e que a grande divindade, invisível e impessoal, é Atma, o princípio universal presente neste
Templo e também fora dele. Este princípio é imparcial. Ele não manipula os
fatos. Ele não faz favores, nem pode
ser comprado ou subornado com homenagens, velas acesas, elogios, missas,
cultos, orações, pedidos, novenas, procissões ou promessas.
No caminho da felicidade, vale,
isso sim, o ensinamento do Jesus do Novo Testamento: o que se planta, se
colhe. Vale a lei do carma, e não o suposto favor pessoal de deuses
monoteístas imaginários. É deste modo que a humanidade cresce. Pode ser difícil desafiar e abandonar as
ilusões: mas não há outro caminho.
NOTA:
[1] “Cartas dos
Mestres de Sabedoria”, Ed. Teosófica, Brasília, Primeira Série, Carta 43.
5. Raja Ioga Propõe a Auto-Libertação
Liberdade Resulta do Exercício
da Responsabilidade Cármica
A teosofia
- assim como a Raja Ioga -
propõe o caminho da autonomia do aprendiz. Os obstáculos que impedem a
felicidade de cada indivíduo devem ser afastados do seu caminho por ele mesmo e
por mérito próprio. Ele próprio criou os obstáculos, e, portanto, a tarefa de
afastá-los pertence a ele. Este é o ensinamento da lei do carma.
O processo pelo qual o indivíduo humano cria
sempre a cada momento as circunstâncias do seu futuro passa pelo encadeamento constante
dos pensamentos entre si, através de hábitos e padrões estabelecidos. Estes
hábitos, porém, estão sujeitos à alteração através da força de vontade.
Um Mestre explica como se dá o mecanismo:
“....Cada
pensamento do homem, ao ser produzido, passa ao mundo interno e se torna uma
entidade ativa associando-se - amalgamando-se, poderíamos dizer - com um
elemental, isto é, com uma das forças semi-inteligentes dos reinos. Ele
sobrevive como inteligência ativa - uma criatura gerada pela mente - por um
período mais curto ou mais longo, proporcionalmente à intensidade da ação
cerebral que o gerou. Desse modo um bom pensamento é perpetuado como força
ativa e benéfica, um mau pensamento como demônio maléfico. Assim, o homem está
constantemente ocupando sua corrente no espaço com seu próprio mundo, um mundo
povoado com a prole de suas fantasias, desejos, impulsos e paixões; uma
corrente que reage sobre qualquer organização sensível ou nervosa que entre em
contato com ela na proporção da sua intensidade dinâmica. A isto os budistas
chamam ‘Skandha’. Os hindus lhe dão o nome de ‘Carma’. O adepto produz essas
formas conscientemente; os outros homens as atiram fora inconscientemente.” [1]
NOTA:
[1] “Cartas dos Mahatmas”, Ed.
Teosófica, Brasília, volume II, p. 343, Primeira Carta para A. O. Hume.
6. Trocando Dogmas por Autoconfiança
Combinando Independência Pessoal Com Compaixão
Universal
Para a teosofia
original, o estudante deve combinar independência pessoal com solidariedade.
Ele deve reunir em si auto-responsabilidade e compaixão universal. Nenhum
mestre tem como função salvar o aprendiz dos seus próprios erros, ou das
consequência dos seus erros no passado. A função do mestre é dar elementos para
que o discípulo liberte a si próprio.
Nos trechos a seguir, tirados de cartas dos Mestres, vemos os
princípios pedagógicos seguidos pelos instrutores autênticos:
* “...
Você tem uma carta minha em que explico por que nós nunca guiamos
nossos chelas (mesmo os mais avançados); nem os avisamos antecipadamente, mas
deixamos que os efeitos produzidos pelas causas criadas por eles ensinem-lhes
uma melhor experiência.” [1]
* “Você está pronta para
fazer a sua parte no grande trabalho da filantropia? Você ofereceu-se para a
Cruz Vermelha; mas, Irmã [2] ,
existem doenças e feridas da alma que não podem ser curadas pela arte de nenhum
cirurgião. Irá auxiliar-nos a ensinar à
humanidade que os doentes-da-alma devem curar-se a si próprios? Sua ação será sua resposta.” [3]
* “Todo ser humano contém
dentro de si vastas potencialidades, e é dever dos adeptos rodear o possível
chela com circunstâncias que o capacitarão para tomar o “caminho da direita” -
se ele tiver a capacidade dentro de si. Não temos o direito de retirar a chance
de um postulante, assim como não podemos guiá-lo e dirigi-lo pelo caminho
correto. Na melhor das hipóteses, podemos apenas mostrar a ele - depois que seu
período de provação terminou exitosamente - que se ele fizer isso irá bem; se
fizer aquilo, irá mal. Mas até que ele haja passado por esse período, nós
deixamos que ele trave suas batalhas do melhor modo que puder; e temos que
fazer o mesmo ocasionalmente com chelas mais adiantados e iniciados, como H.P.B., uma vez que lhes é permitido trabalhar no
mundo, o que todos nós evitamos mais ou menos. E além disso (.....) nós
deixamos que nossos candidatos sejam
tentados de mil maneiras diferentes, de modo que venha para fora a
totalidade da sua natureza interna, e deixamos a esta a possibilidade de vencer
de uma maneira ou de outra. (.....) Todos nós somos testados dessa maneira
(.....).” [4]
Ao analisar certos erros cometidos
por Helena Blavatsky, um Mestre escreve:
“De acordo com nossas regras, (....)
[o Mestre de H.P.B.] não tinha
permissão para proibi-la claramente de fazer tal coisa. Ela tinha que ter total
e inteira liberdade de ação, a liberdade de criar
causas que se transformariam com o tempo no seu carrasco, seu pelourinho
público. Ele podia, no máximo, proibi-la de produzir fenômenos, e ele recorria
a este último recurso tão freqüentemente quanto podia, para grande insatisfação
dos amigos dela e dos teosofistas.” [5]
A independência é essencial para
que haja um real aprendizado, segundo explica um Mahatma:
“Você está completamente
desinformado sobre o nosso sistema, e se eu pudesse torná-lo claro para você,
haveria dez chances contra uma de que os seus “melhores sentimentos” - os
sentimentos de um europeu - ficariam perturbados, ou algo pior, com uma
disciplina tão “chocante”. O fato é que, até a última e suprema iniciação, todo
chela - (e mesmo alguns adeptos) - é deixado com seus recursos e opinião
próprios. Temos que enfrentar nossas próprias batalhas, e o adágio familiar -
“o adepto faz a si mesmo, ninguém o faz” - é verdadeiro literalmente. Já que
cada um de nós é o criador e produtor
das causas que levam a este ou àquele
resultado, temos que colher apenas aquilo que semeamos. Nossos chelas são ajudados apenas quando são inocentes das causas que
os colocaram em dificuldades; quando tais causas são geradas por
influências alheias, externas. A vida e a luta pelo adeptado seriam demasiado
fáceis, se todos tivéssemos limpadores atrás de nós varrendo para longe os efeitos que geramos através da nossa
imprudência e presunção. (.....) Assim, passo a passo, e depois de uma série de
punições, o chela aprende pela amarga experiência a suprimir e guiar seus impulsos;
ele perde sua imprudência, sua auto-suficiência, e nunca cai nos mesmos erros.”
[6]
No discipulado, o aprendiz deve
optar entre dois caminhos:
“Um chela em provação tem permissão
para pensar e fazer o que quiser. Ele é advertido e informado previamente: ‘Você
será tentado e enganado pelas aparências; dois caminhos se abrirão diante de
você, os dois levando à meta que você está tentando alcançar; um, fácil, e este
o levará mais rapidamente ao cumprimento das ordens que você pode receber; o
outro, mais árduo, mais longo; um caminho cheio de pedras e espinhos que o
farão pisar em falso mais de uma vez; e no final do qual você pode, talvez,
chegar a um fracasso, depois de tudo, e ser incapaz de executar as ordens dadas
para um pequeno trabalho particular - mas, enquanto este caminho fará com que
as dificuldades enfrentadas por você devido a ele sejam todas contabilizadas a
seu favor a longo prazo, o outro, o caminho fácil, só pode oferecer a você uma
gratificação momentânea, uma realização fácil da tarefa’.” [7]
O princípio pedagógico e filosófico
da “autonomia do aprendiz” - para citar a expressão criada pelo educador
brasileiro Paulo Freire - pode demorar ainda algum tempo até ser absorvido na
prática e substituir, finalmente, as crenças dogmáticas. Ele deve ser adaptado
e aplicado gradualmente a cada situação humana. Todos os seres são aprendizes,
e cada momento da vida traz uma ou mais lições,
para quem tem olhos para ver.
Quando o aprendizado consciente
substituir finalmente os dogmas cegos,
três axiomas fundamentais ficarão claros para o conjunto da humanidade:
I - “A alma do homem é imortal e o
seu futuro é o de algo cujo crescimento
e esplendor não têm limites”.
II- “O princípio que dá a vida mora
em nós e fora de nós; é imortal e eternamente benéfico; não é ouvido, nem
visto, nem apreendido pelo olfato, mas pode ser percebido pelo homem desejoso
de o perceber”.
III - “Cada homem é o seu absoluto
legislador, o dispensador da glória ou das trevas para si próprio; é o
decretador de sua vida, recompensa e punição.” [8]
NOTAS:
[1] “Cartas dos
Mahatmas”, Ed. Teosófica, Carta 95, vol. II, p. 151
[2] Na edição brasileira,
vemos a palavra “Filha”. Porém vale o original em inglês, em que temos “Irmã”.
[3] “Cartas dos Mestres de Sabedoria”, Ed. Teosófica, Carta
72, segunda série, p. 248.
[4] “Cartas dos Mahatmas”, Carta 92, vol. II, pp. 97-98.
[5] “Cartas dos Mahatmas”, Carta 92, vol. II, pp. 92-93.
[6] “Cartas dos Mahatmas”,
Carta 92, vol. II, p. 90-91.
[7] “Cartas dos Mahatmas”,
Carta 74, vol. I. p. 343.
[8] “Luz no Caminho”, M.
Collins, Ed. Pensamento, SP, p. 27.
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Texto publicado originalmente em www.FilosofiaEsoterica.com
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