terça-feira, 8 de janeiro de 2013

A Consolidação da Vitória


Cinco Aspectos da Caminhada Teosófica


Carlos Cardoso Aveline



1. Circunstâncias e Autodeterminação

A teosofia convida a examinar qual é a força das circunstâncias em nossa vida.

Quando pensamos em mudar a nossa existência para melhor, é conveniente pensar com cuidado sobre o que é, exatamente, que desejamos alterar. O que nos incomoda são as circunstâncias, de fato, ou será o nosso próprio modo de viver nelas?  

Se estivermos acostumados a olhar para fora, atribuiremos à situação externa o dever de mudar,  para que possamos ter maior conforto e mais comodidade.

Porém, se possuirmos a força necessária para olhar para nós próprios, veremos algo básico e fundamental: é mudando a nós próprios que eliminamos a fonte de desconforto. Isso não exclui mudanças externas, mas nos dá força para fazê-las em paz, se forem necessárias.

Se mudássemos apenas as circunstâncias que nos rodeiam, logo nos cansaríamos da nova situação. Desejaríamos então outras mudanças externas, e mais outras, por causa da nossa falta de força e de conforto interior. 

O estudante que está destinado a vencer avança passo a passo e sem pressa pelo caminho que leva desde a vida circunstancial, sempre  inconstante, até a existência estável de um ser autodeterminado.  Ele aprende a viver a sabedoria que já conhece. Ele amplia os seus conhecimentos em cooperação com outros. Ele coloca em movimento as causas da verdadeira felicidade. 

2. O Judô na Teosofia

Quando alguém toma uma decisão na vida e assume um compromisso sincero com o caminho da sabedoria, não deve pensar que o compromisso é linear, convencional, contínuo, ou mecânico.  Inicialmente ele só é linear e contínuo no plano da alma, mas não no plano do mundo. 

O peregrino errará mil vezes.  A questão não é saber se ele cairá ou não.  Ele cairá mil e duzentas vezes.  A primeira lição em Judô consiste em aprender a cair. 

Deve-se cair com o corpo e a alma leves, soltos, flexíveis, sem apego ao ato de cair, percebendo de imediato a forma que o erro ou queda assumiu. A partir da posição precisa da queda, e na sequência natural do tombo, o peregrino deve reerguer-se de imediato, atento aos novos movimentos do combate, capaz de localizar oportunidades positivas e pronto para cair de novo ou para derrubar de vez a ignorância que o desafia. 

Quando aprendemos a cair, podemos usar o vento contra a nosso favor.   Basta então tentar o melhor sempre, e ter paz-ciência. Com estas condições, podemos olhar para o alto enquanto mantemos contato com o chão firme. 

3. Um Compromisso no Templo‏

É quando sabemos cair e levantar que os alicerces do templo estão sólidos e suas paredes já não são de papel.  

O templo divino é construído sem ruído e sem tijolos.  O barulho do mundo não o alcança.
Dele se irradia uma aura que acalma lentamente o ruído do mundo, mostrando o fluxo misterioso da luz eterna e da vida infinita. Este templo oculto não é físico. Ele não pode ser destruído pelo tempo.  Ele existe e se expande no coração dos seres de boa vontade.   

Segundo a literatura teosófica, os templos de tijolos têm escasso valor.  A decisão de trilhar o caminho Sagrado deve ser tomada com auto-responsabilidade no templo do coração, o santuário interno habitado pela alma imortal.   É ali, também, que a decisão de fazer o melhor deve ser preservada e renovada regularmente, ao longo de várias encarnações. No momento certo de cada existência, o compromisso é resgatado e renovado com alguma diferença nas palavras, mas mantendo o mesmo significado essencial. 

Uma decisão tomada no templo do coração acelera o despertar do eu superior e também protege o peregrino dos perigos da ignorância. A proteção será recebida conforme o mérito pessoal e o carma coletivo permitirem, sob a Lei Una.

Esta resolução também acelera o carma individual e revela os pontos fracos a serem superados. O caminho é internamente luminoso e externamente íngreme. Trilhá-lo exige tempo.  Perseverança é necessária. Cada dificuldade é uma lição da Lei. Todo obstáculo é uma oportunidade para libertar-se de um aspecto da ignorância  acumulada que causa sofrimento aos seres humanos. 

Passando a viver como um aprendiz consciente do universo, aquele que busca a verdade descobre a bem-aventurança da felicidade incondicional.

4. Foco Superior, Antahkarana e Mudança

De que modo o templo abstrato e invisível da alma imortal pode expressar-se no mundo? 

Para isso ele depende da parte inferior de Antahkarana, a ponte entre alma mortal e alma imortal.

Quando pensamos em Antahkarana, normalmente o visualizamos como se nossa consciência estivesse situada no eu inferior.  Neste caso a aceleração do contato com o eu superior consiste em abrir uma janela maior para o alto. 

Mas o que acontece quando a consciência passa a ficar focada com força especial no eu superior, devido a uma expansão mais ou menos súbita de consciência?  O que ocorre quando alguém nasce em condições muito diferentes da vida anterior, durante a qual pode ter expandido poderosamente Antahkarana?  Há uma ilustração deste caso nos primeiros capítulos do romance “O Idiota”, de Dostoievsky.  O sexto princípio (a inteligência espiritual)  atua intensamente, mas há fortes contra-indicações no funcionamento do eu inferior. O indivíduo pode ter, inicialmente, dificuldades de autocontrole, a menos que esteja rodeado de seres capazes de compreendê-lo, de acompanhar o seu processo, e de dar-lhe elementos para que desenvolva em paz o seu melhor potencial. 

As dificuldades enfrentadas por H. P. Blavatsky em seu eu inferior são exemplos disso.  A “loucura” de São Francisco de Assis durante sua juventude, segundo a lenda da vida dele, é outro exemplo.  A conduta “excêntrica” de pessoas guiadas por seus eus superiores é proverbial em várias tradições. A importância do autoconhecimento, do auto-respeito e do auto-controle, destacada em “Cartas dos Mestres  de Sabedoria”, se deve a que estes três fatores são necessários para que a expansão do eu superior e de Antahkarana possa ser apoiada e estabilizada, e seja administrada corretamente,  tanto na alma mortal como nas ações externas da vida. 

Esteja onde estiver, o foco de consciência domina o território em que ele está situado.  Ele tem pouco domínio, inicialmente, no território em que ele não vive permanentemente. 

A pessoa que amplia com força Antahkarana  deve necessariamente simplificar sua vida no plano do eu inferior, para que possa manejá-la mesmo mantendo o foco da vida no plano mais elevado.

O peregrino tem força reduzida no eu inferior e nos assuntos externos.  Talvez ele seja considerado um fracasso completo nestes departamentos da vida.  Ele deve renunciar a estas frentes de batalha  ou reduzi-las consideravelmente para concentrar  o foco nos planos abstratos e elevados. 

O ato de abrir mão de coisas e situações externas normalmente pode ser gradual, porque a expansão antahkarânica  ocorre passo a passo na maior parte dos casos. Mas o que ocorre  se uma pessoa vive uma expansão de Antahkarana em pouco tempo ou de modo súbito? 

A repentina entrada do ponto de vista do eu superior em meio à sua vida emocional e física - que ainda estão  organizadas em termos convencionais -  cria uma forte tempestade na consciência e uma intensa “reorganização”  que pode parecer caótica aos que observam o processo.  A menos que a transição seja construída e vivida por etapas, e depois de enxergar claramente o Todo. 

Em qualquer hipótese, o autocontrole e a autotransformação graduais são fatores decisivos. Enxergar pode ser rápido; o caminhar é mais lento.  A mudança eventual de cenário e de organização da vida externa de quem teve um insight profundo sobre sua própria vida deve ser implementada na medida em que emerja um projeto de mudança pacífico, certeiro, correto, equilibrado, eticamente responsável, questionado e examinado desde vários ângulos. O projeto pode então ser implementado passo a passo, e reavaliando-se o Todo após cada passo mais importante.   

Quando há um despertar individual sob a luz de uma pedagogia teosófica correta, a mudança na vida não se faz em nome da rejeição do que já não serve.   Há gratidão em relação às etapas anteriores.  A mudança se faz em nome da construção de algo maior e melhor. O verdadeiro desapego, que traz liberdade, ocorre ao lado de um sincero agradecimento.

Em teosofia,  o tema da administração correta do progresso espiritual é complexo, e é fundamental.  Ele vale não só para os que passam por um despertar mais ou menos súbito. É igualmente importante para quem vive uma expansão lenta e gradual de consciência. 

Cabe a cada estudante de filosofia assegurar que o despertamento mude sua vida, e que sua existência não permaneça vítima de quaisquer rotinas ou prisões. É dever de quem procura a verdade - um dever para com sua própria alma imortal  e para com todos ao seu redor -, renovar o seu mundo de modo responsável e prudente, com coragem,  de modo que sua vida expresse cada dia melhor a luz do sol do seu Eu Superior.  E quando os momentos agradáveis vierem, será necessário saber como recebê-los.

5. A Arte de Administrar Vitórias

Em teosofia, não basta vencer.  É preciso consolidar a vitória, transformando-a numa experiência de longo prazo que se renova e se aprofunda.

O perigo de errar não ocorre só na derrota. A derrota é uma boa mestra, e há muito por agradecer a ela,  mas a possibilidade de perder o bom senso pode ser especialmente grande no momento da vitória.  A vitória que não é acolhida com humilde serenidade torna completamente cegos os ingênuos e os desinformados.  O momento da vitória é absolutamente decisivo: ele tanto pode preparar uma sucessão de vitórias, como pode abrir a porta  para uma derrota que estrague o progresso já alcançado.

A vocação da vitória depende do discernimento.  O indivíduo dotado de bom senso é essencialmente inalterável  na vitória e na derrota. Diante da boa notícia, ele evita toda euforia, e deixa para os tolos as grandes celebrações. Quando há uma notícia desagradável, ele usa com força a energia interior acumulada nas vitórias, e enfrenta o sofrimento tão serenamente quanto possível, buscando pela brecha secreta que o levará da derrota à  vitória.   Ele permanece interiormente estável ao longo dos altos e baixos das marés da vida, porque sabe que só a calma permite construir uma vitória durável. 

Diante das boas notícias e da percepção do progresso, devemos lembrar que nossa meta é de longo prazo.   Cada vitória é, na verdade, um pequeno passo à frente que devemos consolidar em silêncio enquanto vigiamos as nossas limitações.

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Para ter acesso a um estudo diário da teosofia original, escreva a lutbr@terra.com.br  e pergunte como é possível acompanhar o trabalho do e-grupo SerAtento.

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Texto originalmente publicado em www.FilosofiaEsoterica.com

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